Outras

Qual a função do Produtor Executivo do filme?

De uns tempos pra cá, existe muito desafeto com Kathleen Kennedy na presidência da Lucasfilm por parte da fanbase de Star Wars. A Sociedade Jedi perguntou a alguns leitores se eles sabem no que consiste o trabalho de uma produção executiva e o resultado foi que a cada dez pessoas, oito não sabem qual o papel de um produtor executivo no cinema, seja ele independente ou nos formatos de grande estúdio em Hollywood. Essa coletagem em formato de pesquisa que fizemos ajuda a tirar uma média de leitores e o que eles pensam do processo realização de um filme e, embora seja um dos produtos culturais mais consumidos na indústria de entretenimento, poucos tem a preocupação de procurar entender o processo de se produzir um filme.

Para melhor compreensão dos fatos, pensamos em mostrar alguns fatores determinantes para se entender a hierarquia do cinema industrial na terra do “tio Sam” e isso pode mudar dependendo da cultura do país e sua relação com o cinema como um braço que às vezes serve como indústria, como se fosse uma linha de produção de automóveis mesmo e também serve como uma das facetas culturais do país.

Como bem sabemos, o caso de George Lucas no cinema é um caso à parte. E caso você não nos acompanha e esteja lendo um texto nosso pela primeira vez, venha para uma contextualização dos fatos a seguir.

O DONO DO FILME

Em Hollywood, quando um produtor executivo faz parte de um filme, na maioria das vezes, ele é um investidor que contrata profissionais, ou seja, o diretor também acaba sendo um funcionário. São poucos casos em que o diretor estava desde o começo do projeto, chegando a ser o próprio roteirista. Quando o diretor criou a história, roteirizou e dirigiu, já podemos chamar de “cinema de autor”. O produtor executivo além de trazer a verba para realizar o filme, cria parceiros que podemos chamar de produtores associados. São eles quem recebem o lucro do filme proveniente da bilheteria e merchandising, dependendo dos contratos.

Quando George Lucas queria rodar Star Wars (1977), não existiam muitos produtores interessados em investir dinheiro num projeto que parecia furada. E para piorar, Lucas havia quase falido a produtora de seu parceiro e mentor Francis Ford Coppola, a American Zoetrope. (Segue abaixo a primeira parte do documentário, disponível completo no YouTube, mas se quiser ter esse belíssimo documentário, ele faz parte dos extras do DVD do primeiro filme do Lucas THX-1138.)

Mas, voltando ao “Georginho”, quando sentiu que a parada ia azedar pra ele, tratou de não trazer mais problemas para o Coppola, que tava na crista da onda em um período pós O Poderoso Chefão 2 e se preparando para seu pesadelo mais amargo, Apocalypse Now (1979). Nosso diretor querido então resolveu criar sua produtora que fizesse o seu filme mais ousado, assim criou a ILM (Industrial Light & Magic) e a Skywalker Sound (encabeçado pelo mago do Sound Design Ben Burtt). Com isso, não enfrentou a dificuldade de ficar dependente dos outros empresários de cinema. Injetou grana própria nisso para que o filme (ele nem sabia que chegaria ao sucesso pra se formar uma trilogia na época) fosse rodado e desse modo, realizou o filme que foi um sucesso naquela década tão pesada e triste pelo teor dos filmes americanos da década de 70 que só tinham filmes “barra pesada”. Assim, ele criou um paradoxo irônico: se tornou no diretor independente mais rico do mundo e ao mesmo tempo reinventa a forma blockbuster de cinema de entretenimento. E também era independente porque ele não devia satisfações a uma produção executiva, ele era dono de tudo e tinha na figura de Gary Kurtz, a mão firme da “produção não executiva” para tocar os departamentos do cinema todo. (Som, fotografia, montagem, etc)

Embora estamos colocando abaixo a árvore das funções do cinema de maneira bem resumida, no DVD duplo de Star Wars: Episódio III – A Vingança dos Sith (2005) existe um belíssimo documentário chamado “Em um minuto”, onde eles exibem um minuto da histórica luta de Anakin com Obi Wan em Mustafar e mostram quantos profissionais estavam envolvidos naquele um minuto de filme. Aos leigos de cinema e seus departamentos, é uma aula de cinema o documentário. Deixo o vídeo do YouTube abaixo para conferir.

A MUDANÇA DOS CAMINHOS COM A VENDA DA SAGA

Assim que Lucas concluiu sua venda da franquia para Disney em 2012, muita coisa iria mudar na saga. Não apenas o fato de que o criador se desapegou, mas toda forma de se pensar a Star Wars e realizá-lo, deixa de ser como era antes. Se antes tudo que a gente via nos filmes passava pelo crivo do Lucas com aquele carimbinho aprovando as artes conceituais, agora essas aprovações não seriam feitos mais pelo criador, mas pela equipe da Kathleen Kennedy e a equipe da Disney, que tem feito com suas obras um laboratório midiático.

Bob Iger e George Lucas assinando a venda da Lucasfilm para a Walt Disney Studios

Você já deve ter notado uma galerinha da má vontade chamando a saga de SJW (Social Justice Warrior) ou criando teorias de conspiração sobre uma agenda feminista de dominação do mundo, mas o que os veículos sérios de business preferem chamar é de visão de mercado. A presença de outros públicos na saga cresceu (bem vindo ao mundo real) e agora temos muito mais mulheres presentes no público que consome, ou seja, no público que paga agora é formado por mulheres e todas pessoas do LGBTQIA+ que com certeza se sentem representados e inseridos no universo que consome. Se sentir inserido, é uma forma da Disney em dizer: “Olá, consumidores, nós sabemos que vocês existem” e assim manter a fidelização.

Esse laboratório midiático é o responsável por experimentar por o galã de Frozen como vilão ou por uma princesa Disney fora do salto e vestidos para manusear um Arco e Flecha e com estas ousadias, sente o feedback desse público. Negar fatores como esse é permanecer na folha do calendário de meses ou até anos atrás, e isso com certeza uma empresa do entretenimento não se interessa: ela quer ser visionária e dialogar com todos.

Assim, concluímos aqui que os rumos mudaram e Star Wars sob nova direção vai se tornar o mesmo produto que outros filmes de blockbuster visam: o lucro, pois depende do retorno dessa bilheteria e por isso essa porteira abriu pra pluralização de personagens na tela.

A NOTORIEDADE DOS PRODUTORES EXECUTIVOS E SEUS NICHOS

Os produtores executivos possuem por natureza um faro especial para entender o mercado que cresceram. Particularmente, sou um fã de carteirinha de um dos maiores produtores de filmes da década de 40 até 2000, o italiano Dino De Laurentiis, que produzia desde os filmes do neorrealismo italiano, passando por filmes que fizeram parte da nossa infância como Conan, o Bárbaro (1982) e até filmes de horror, por exemplo, A Hora do Lobisomem (1985). Outro produtor executivo que foi diretor e inclusive influenciou boa parte dos cineastas da Nova Hollywood que hoje são os diretores que assistimos (Spielberg, Cameron, Lucas, Coppola) é o diretor de filmes de baixo orçamento Roger Corman.

A vilã escolhida por parte do fandom, a Kathleen Kennedy, não está por lá à toa. Existe uma notoriedade e um caminho certeiro na apostas de filmes que deram certo, pois sabemos que nada na vida de uma pessoa é 100% e triste de nós ao cobrarmos perfeição dos outros, não é mesmo? Kennedy entrou para o mundo do cinema muito cedo e boa parte dos clássicos da década de 80 tem a assinatura da produção dela e o começo de tudo foi em ET: O Extraterrestre, de 1982. Daí em diante só viriam clássicos da matinê, Poltergeist (1982), Indiana Jones e o Templo da Perdição (1984), Gremlins (1984), Os Goonies (1985), De Volta para o Futuro (1985) entre outros que não paramos a lista de clássicos. Em toda sua carreira, oito de seus filmes como produtora, concorreram a melhor filme. Já notaram que sempre que um filme ganha o Oscar, sobe não apenas os diretores, mas os produtores juntos? Então, são os donos do filme, portanto, com o tempo e dedicação, estes profissionais da produção executiva começam a adquirir um faro pra conseguir investidores aos seus projetos.

Quando George Lucas saiu da Lucasfilm, ele escolheu a dedo quem seria a pessoa que conhecia sua forma de operação e que poderia tomar conta “da lojinha” com ele por fora dos assuntos.

O que muita gente parece não saber direito (ou não querer saber) é entender o processo e de onde viria a vilania total do resultado de uma trilogia como a sequel, que representa 30% de todos os produtos que ela fez para a saga desde que assumiu a Lucasfilm

O DESPRAZER DE GEORGE LUCAS

George Lucas e J. J. Abrams na premiere de O Despertar da Força (2015)

Fazia poucos meses de cartaz de Episódio VII – O Despertar da Força (2015), e George Lucas dava declarações insatisfeitas onde apontava que os filmes de Star Wars eram muito mais do que “navezinha disparando laser”. Na edição de The Hollywood Reporter de dezembro de 2015, Lucas falou nas entrelinhas algo que alguns observadores sacaram.

“Quiseram fazer um filme retrô. Eu não gosto disso. Em cada filme, trabalhei muito duro para torná-los diferentes. Eu os fiz completamente diferentes: planetas diferentes, naves espaciais diferentes, para transformá-los em novos.”

disse Lucas em uma conversa com o jornalista Charlie Rose

Aos que acompanham a jornada do diretor J.J. Abrams, sabe o quanto sua filmografia simula uma nostalgia desta década de 80, em filmes como Super 8 (2011), fica nítido sua inspiração por obras que Kathleen Kennedy já era velhaca em investir e os cuidados que se deve tomar no cinema é para que a plasticidade, a estética e a atmosfera dos filmes não fiquem apenas circundada na perfumaria.

Nós, como fãs, ficamos um pouco perdidos e alguns até cabreiros com as atitudes de Lucas ao reclamar demais e, infelizmente, só pudemos juntar as peças do quebra-cabeças um pouco mais tarde. Mais precisamente no ano de 2019, um livro muito aguardado foi Onde os Sonhos Acontecem: Meus 15 anos como CEO da The Walt Disney Company (lançado neste fatídico ano de 2020 pela Editora Intrínseca), de Bob Iger. Ali no livro existe o tal mea culpa que poucos puderam acompanhar ou preferiram fazer vista grossa e continuar mantendo Kennedy em seu pedestal de ódio.

No livro, Iger assume sua parte na culpa de alguns fracasso da franquia de saga e salienta que os filmes estavam saindo com pouco espaço de tempo e aí sim o erro primordial refletido na falta de planejamento dos filmes da trilogia sequel.

“Eu e Alan Horn [diretor criativo do Walt Disney Studios] lemos os esboços de George e decidimos comprá-los, mesmo deixando claro no acordo de compra [da Lucasfilm em 2012] que não teríamos obrigação contratual de aderir às tramas que ele nos apresentou.”

revela o CEO Bob Iger em sua biografia

Durante uma reunião com o roteirista Michael Arndt (que meses depois da reunião foi substituído por um dos pais da saga, o roteirista Lawrence Kasdan) e a presidente da Lucasfilm, Kathleen Kennedy, George ficou visivelmente chateado quando descreveram a trama e ele percebeu que nenhuma das histórias que enviou durante as negociações foi usada.

Esses primeiros meses entre a venda da saga e a realização de O Despertar da Força pudemos acompanhar muitos desafetos entre George Lucas e os caminhos da saga com declarações inflamadas à companhia como quando afirmou que tinha vendido os direitos da saga a “escravistas brancos” e teve de se retratar nas semanas seguintes.

“Se eu chegasse lá, eu estaria indo apenas para causar problemas, porque eles não iam fazer o que eu queria que eles fizessem. E então eu disse: ‘OK, eu vou seguir meu caminho, e eu vou deixá-los ir por seu caminho'”

George Lucas

Com os pontos ligados, fica muito mais fácil compreender que além dos problemas da alta patente da companhia que a saga enfrentou, um dos ingredientes fatais para que atrapalhasse todo o projeto, foi o falecimento da atriz Carrie Fisher, em dezembro de 2016 por um ataque cardíaco. seis meses depois de muitas lendas ao redor de sua morte, se revelou que a causa era apnéia do sono, um distúrbio que causa obstrução das vias respiratórias durante o sono. Morte trágica que vale lembrar que levou a mãe de Carrie, a atriz Debbie Reynalds a óbito por acidente vascular cerebral 24 horas após a confirmação da morte de sua filha.

MAS NÃO SÓ DE TRISTEZAS VIVE A SAGA

Embora atribuído em seu curriculum estão os fracassos da trilogia sequel, pequenos fracassos, pois o filme de abertura entrou pras maiores bilheterias da história do cinema, mesmo com o auge da pirataria digital existem os acertos que poucas vezes são lembrados para se colocar em contrapeso nas situações contabilizadas dos erros e acertos.

Rogue One: Uma História Star Wars (2016) é talvez o filme mais querido da fase Disney, oriundo de um processo em que foi refeito em seus 40%, era o filme de spin-off de baixo orçamento que deu certo, rendeu bilheteria, ganhou indicações a prêmios e acalmou parcela dos fãs da velha guarda que ainda estavam assimilando o universo novo mostrado em O Despertar da Força. Gareth Edwards é um diretor que merecia seu corte revelado. Assim que seu contrato com o filme acabou em pleno momento de se refazer os 40% do filme, quem assumiu o papel de diretor nas refilmagens foi o até então roteirista Tony Gilroy (que também é diretor de filmes como O Legado Bourne, de 2012). Situações como esta recolocação não é feito a esmo. Foi escolha da produção executiva da Lucasfilm, a até então madrasta Kathleen Kennedy.

Kennedy, Jon Favreu e Dave Filoni nos bastidores de The Mandalorian

A série The Mandalorian é outro achado que trouxe novamente à saga, o que é possível se realizar com simplicidade e, principalmente, liberdade que uma série de TV pode ter sem as obrigações de riscos de baixa bilheteria. Junto da série, o novo serviço de streaming Disney+ exibiu uma série de documentários departamentalizados do seriado, onde podemos ouvir um pouco do posicionamento da vilã dos nerds e compreender que é por intermédio dela que uma das químicas mais perfeitas do que casamento de romance dos anos 90 poderia nos dar: a visão visionária de um produtor/diretor como Jon Favreau, que é o embrião dos estúdios da Marvel e o maior pupilo que George Lucas poderia criar, e o diretor das animações Dave Filoni. Ver estas três personalidades falarem sobre os processos criativos é de encher os olhos de qualquer amante e observador de obras cinematográficas ou televisivas. E Kennedy quando abre a boca para contribuir, ela comenta com a certeza de uma produtora que não somente mexe com o investimento, mas que pisa no chão do set de filmagem.

Finalizamos aqui, quais outros projetos essa produtora pôde acreditar e viabilizar como o fim das animações de The Clone Wars, de Dave Filoni. A saga havia parado abruptamente na sexta temporada quando a Disney comprou e muitos de nós ficamos órfãos do verdadeiro final que as guerras clônicas deveriam ter. Depois do sucesso de Filoni com as quatro temporadas de Star Wars Rebels, o voto de confiança foi de terminar a saga das guerras clônicas com o bônus de muitas inclusões de fan services que só foram possíveis por conta desta pausa.

Sobra ainda, espaço para as crianças que pouco compreenderiam os filmes e animações adultas: Star Wars Roll Out são micro animações ao redor de BB8 que nos remetem ao cinema mudo ao nos deliciar com drops de aventuras do pequeno astromech numa tentativa de injetar no carisma de sua forte personalidade.

Esperamos que o texto tenha trazido uma breve ideia do papel de um produtor executivo. O intuito do texto é primeiramente que se compreenda o importante papel do cargo de produção executiva entendendo que no universo do cinema, defender um filme é defender seu corpo realizador de forma plena e principalmente mostrar o legado de um profissional que sabe arriscar, sabe onde estão os erros, mas principalmente conhece de perto a fórmula dos acertos. Qualquer divagação acerca de desafetos pessoais perto de um curriculum de filmes tão importantes que ela ajudou a construir, se torna pueril perto da contribuição destes filmes para a cultura cinematográfica da cultura pop no mundo todo.

Por: Prof.º Me. Vebis Jr
Mestre em Cinema
Especialista em Comunicação
Graduado em Audiovisual e Multimídia

Com colaboração de: Alexandre Agassi
Jornalista
Cinéfilo por diversão

Vebis Jr

Professor/produtor/pesquisador/podcaster em Cinema. Velho anarco punk rocker! https://twitter.com/Vebisjunior