Resenha | FilmesResenhasRogue One: Uma História Star Wars

Crítica | Rogue One: faça uma nova cova para o soldado desconhecido

Star Wars chega no segundo ano consecutivo aos cinemas comprovando a maestria em se consolidar num mercado que, a partir do cinema, se desencadeia em uma série de outros produtos de apoio, parte dos planos da Disney que torna assim o “Universo Expandido” mais acessível. Até então existia uma tamanha resistência do fã da saga em se situar a que ponto poderia mergulhar neste universo além dos filmes e compreender melhor os backgrounds de cada filme.

Aqui vale ressaltar que essa primeira História Star Wars é um experimento que deu certo e mede-se a febre, aqui, de maneira muito semelhante de outro filme: O Retorno de Jedi, de 1983.

Antes de Rogue One, surgiram os verdadeiros spin-offs infantis com intuitos mercadológicos, como Caravana da Coragem (1984 de John Korty) e A Batalha de Endor (1985 dos irmãos Wheat), pois o Episódio VI apresentou personagens totalmente debruçados para o público infantil, os simpáticos Ewoks que tiveram em números comprovados de consumo seu aumento de vendas no território americano. Note que entender o efeito mercadológico que Star Wars teve a partir de O Retorno de Jedi, seguido por estes filmes derivados e o retorno de George Lucas na direção em 1999 com Episódio I, seria encarar como o fenômeno da saga não volta preocupado apenas com cinema, mas com tudo aquilo que escravizou George Lucas em ser um excelente criador e um estranho diretor em controlar excessos dessa vontade de criar um filme que dialogasse com a criança e com o adulto. Essa missão de abranger mais faixas etárias era algo exclusivamente de Star Wars por um bom tempo e recentemente esses trunfos estão nas conquistas das animações da Pixar, pois é um filme que será consumido pela criança pelo seu poder estético e depois continuará a ser consumido pelo adulto pelo seu texto.

Na história deste derivado, praticamente seria entrar no que foi o main title do filme de 1977 com detalhes mais sólidos de fortalecimento narrativo. Muita gente cobrava uma coerência da fraqueza da base espacial Estrela da Morte, mesmo que isso seja também um arquétipo das fraquezas que permeiam fortes (sinas que Joseph Campbell já nos contou), como é o caso do calcanhar de Aquiles, e com este desenvolvimento tudo fará mais sentido.

O grande mecanismo no Universo Star Wars nas mãos da Disney, que há um bom tempo tem renovado sua capacidade de contar histórias, é o vasto universo e sua infinita possibilidade de contar novas narrativas, novos parênteses que a saga facilitou em deixar abertos.

Um dos detalhes estéticos belíssimos ficou ao encargo do trabalho das dimensões e escalas das naves. Poucos filmes de toda saga conseguiu por a câmera em pontos de vista na qual entendêssemos o real tamanho de cruzadores, naves e bases espaciais. Como no ano passado O Despertar da Força trouxe Starkiller como a última tecnologia em poder bélico, Rogue consegue mesmo assim impressionar-nos com a Estrela da Morte desde sua figura como símbolo da campanha de marketing do filme, como o assunto que permeia os medos numa guerra desleal na implementação de uma ditadura galáctica, a arma de longo alcance e seu efeito colateral inclusivo: nota-se a inclusão de mulheres e criaturas extremamente femininas dentro da resposta que os explorados teriam, pois vimos inúmeras pilotas e uma protagonista com muita carga histórica no filme, em suas lembranças e sonhos e até em outros materiais midiáticos.

Você suporta bandeiras imperiais reinarem pela galáxia?

A trilogia clássica sempre abordou muito a atmosfera ao redor dos personagens, tendo pouco foco em como se encontravam os planetas e suas políticas locais com o Império reinando a galáxia. Este é um dos trunfos que faz com que as pessoas tanto amem a clássica e façam as comparações desnecessárias com as prequels. Para George Lucas, era interessante abordar muito o chão em que os heróis pisavam e assim preencher uma faceta universal que ele pouco abordou nos primeiros filmes. O conteúdo político das prequels revelavam muitas formas comparativas do mundo atual e da geopolítica vigente: no episódio 1 a Federação do Comércio isola Naboo como uma Cuba, no episódio 2 temos um Senado colhendo frutos das corrupções e manobras desleais e em um terceiro e último momento, o silêncio ao Conselho Jedi que refletirá direto na imposição da República que se transforma em Império.

Rogue One consegue, de maneira sutil, mostrar como isso reflete nos planetas e em suas condições financeiras, a concentração de grupos extremistas e principalmente como o império transformou planetas em verdadeiras colônias de exploração. As cenas em que Jedha recebe extração de cristais kyber têm uma imagem que narra por si só: numa fotografia de final de tarde de sol que nos remete muito à mesma qualidade de imagem de episódio 4, naves menores de extradição fazem um fluxo de pequenas naves protegidas que levam toda carga para um cruzador flutuando em baixa atmosfera.
Os soldados extremistas de Saw Gerrera, a maneira como estes guerrilheiros fazem o atentado contra soldados do Império por conhecerem melhor a cidade, são todos elementos básicos que traduzem bem o comportamento de um povo acuado por dominação e exploração.


O efeito colateral causado pela ditadura vai além dos extremistas. Chega ao ponto de que nem todos conseguem jogar limpo o tempo inteiro. O personagem de Diego Luna, Cassian Andor, logo nos primeiros minutos de filme nos dá essa certeza ao extrair uma informação necessária para os Rebeldes e assassinar à queima roupa o informante. As ordens do General Draven para Cassian assassinar como sniper torna a missão pouco ortodoxa para o universo da saga, algo que acredito que jamais aconteceria se a saga ainda estivesse nas mãos de George Lucas. Esse universo de Lucas é muito parecido com a natureza maniqueísta de “O Senhor dos Anéis” em que o mundo era dividido em bons e maus. A Disney seguiu uma linha diferente e tem criado nos seus novos personagens uma complexidade que cria camadas nos personagens, tornando-os muito mais críveis, e isso vai além de Star Wars, com Piratas do Caribe, passando pelas animações e chegando em suas leituras sobre as fábulas que atualmente tem sido recontadas. Trunfo esse, por conta do roteiro a feito pelas mãos de Chris Weitz (ainda me acostumarei com este nome nos grandes filmes), Tony Gilroy (nosso novo Larry Kasdan no ramo de roteiro), John Knoll (este velho marujo de outras marés de Star Wars) e Garry Whitta (já se familiarizou por escrever Star Wars Rebels).

A guerra sempre é imparcial e derrama sangue inocente que afeta a todos que estão sob um regime: filhas separadas de pais, fanáticos religiosos que trocam sua visão mística em troca de objetos ou até mesmo que obrigue uma aliança rebelde a agrupar aqueles que, ao final, desobedeceram líderes rebeldes para lutar ao lado do grupo de Jyn, claramente observado quando Cassian chama a rebelde por natureza oferecendo apoio de espiões, assassinos e sabotadores.
O fandom de Star Wars muitas vezes vem se questionando da falta de carisma dos personagens. Talvez isso ocorra porque estamos acostumados a ter uma trilogia que permite um trabalho mais abrangente de criação do personagem, o que torna “O Império Contra-Ataca – 1980″ tão memorável: já tínhamos a apresentação de personagens no filme de 1977, daí é simples que se jogue os personagens desde o início no olho do furacão e embarque numa verdadeira, memorável e inesquecível tragédia grega.

O filme derivado não tem tempo e tampouco espaço para se fixar um carisma por personagens, já que na verdade duas palavras foram demasiadamente repetidas pelos personagens:

A Causa

A Esperança

Estas são palavras que devem ser encaradas como personagens e não tenha o porque do universo Star Wars lembrar dos heróis, mas de sua grande contribuição para causa, ainda que eu desacredite na fraqueza dos personagens que sempre trazem uma grande resposta para seus problemas de sobrevivência abaixo dos poderes imperiais e em suas discussões surjam frases fortes como “Você não foi a única a perder tudo”. Todos os diálogos nesse filme têm mais amadurecimento nas relações humanas.

De fato, Gareth Edwards assina o primeiro filme “livre de George Lucas” e isso faz possível os diálogos serem memoráveis. A quem pesquisou, soube o quanto os outros filmes estavam sujeitos às mudanças de temperamento do criador. Irvin Kershner e Richard Marquand tiveram inúmeras discussões com o criador, coisas que forçaram os filmes a saírem de sua zona de conforto e tornaram as prequelas tão frágeis perante os outros, pois estavam todos submetidos a um criador que não dirigia há anos e não havia conflitos para que George Lucas deixasse sua natureza preguiçosa de lado.

Temos também um J.J. Abrams que, embora dirigisse bem, fez de O Despertar da Força uma obra que caminhou sobre ovos com medo de desagradar os fãs de diferentes idades, o que justifica hoje entendermos que missão difícil que Abrams concluiu com louvor: agradar os antigos fãs e abrir uma portaria para novos fãs num filme que contém elementos daquele que deu certo na primeira vez lá na década de 70.

Gareth Edwards então, longe do controle de Lucas e com uma certa liberdade dos portais escancarados que Abrams e seu O Despertar da Força fizeram no ano passado, entra pra história como o primeiro filme da saga com uma certa autonomia de “grife de diretor” não escravizado ou enfraquecido pela produção executiva que desmantela um filme com exigências de mercado.

Há, sim, uma outra lenda que todos leram de que em pleno mês de junho, o filme teve de ser refeito em 40%. Adicionais são um processo comum no mundo do cinema, mas não toda essa quantidade. Muitos tablóides ainda desconfiavam que talvez fosse pelo objetivo de atenuar cenas agressivas e baixas da guerra, porém, são detalhes que algum dia saberemos se colocarem nos extras de um home system.


Estes malabarismos narrativos que debruçam toda a equipe em transformar e ressignificar o filme são passos com uma margem de erro grande, e o saldo final pode afetar o filme. Para nossa sorte, mesmo que tenham mudado os caminhos do filme, temos uma belíssima aventura nostálgica que, nesse retorno à prancheta para consertos podem ter surgido estes inúmeros fan services que dividem seu público em agrado ou fetiches exagerados.

Muitos textos têm opinião dividida por conta dos caminhos que o filme teve, o que bem provável tenha sido por conta destas regravações que possam ter atenuado um filme que levaria um tema como “No Guts, no Glory” como lema de guerrilheiros que defendem causa e não tenham rostos, algo comum em filmes de guerra e nisso perdido o ímpeto rebelde que a personagem Jyn Erso demonstrava nos primeiros trailers.

Cassian seria de fato um personagem fraco se não tivesse como responsabilidade apertar o gatilho em uma das cenas mais tensas de narrativas paralelas: seu alvo passando pela mira, e as vítimas do alvo, os engenheiros que sofrem consequência dos desmandos imperiais culminando em mais um efeito colateral da guerra: as bombas que, quando caem, matam aliados e inimigos das ordens rebeldes. Tenso, não?

O Império, embora uníssono na implementação de sua política, mostrou claro um ambiente de puxadas de tapetes constantes entre a alta diretoria e revela neste filme uma fragilidade no nosso novo vilão, o diretor Orson Krennic, que tem muito mais a perder ao competir com cobras grandes do que o espectador possa imaginar. O regime imperial sabe onde se aproveitar das fragilidades de seus vilões, uma fragilidade que só temos visão de como funciona com a nova gerência de como conduzir Star Wars na história do cinema. E se a brilhante atuação de Ben Mendelsohn colabora com este balance, 3 minutos a mais de Chirrut Imwe (interpretado por Donnie Yen) e seu parceiro Baze Malbus (Jiang Wen) poderiam desencadear uma boa roubada de cena, se é que o seu mantra, classificado por mim a segunda cena mais tensa do filme, não tenha feito isso e feito o cego cair na graça do público.

O texto de Luiz Carlos Merten no Estado de São Paulo me fez enxergar o que há de melhor nos cinemas de John Ford e Sam Peckimpah para justificar a beleza no ato de Chirrut: A coragem do místico em andar em meio ao fogo cruzado e a parceria quase de irmandade vista com estranhos olhos do público na reação de Baze.

E por falar em referência, o filme precisou de muitas para realizar sua guerra em campo aberto de Scarif. Muitos filmes de guerra em Guadacanal, Ilhas Bikini, Vietnam e sudoeste do pacífico apresentaram uma vegetação tropical como aquela para que Rogue One se apoiasse nas estratégias em campo aberto, os cogumelos que o impacto dos raios da Estrela da Morte causavam e me lembravam que mais que a explosão de um planeta inteiro, o quanto de danos econômicos a guerra causava ao redor dela, me fez lembrar filmes importantíssimos dentro do medo sob a guerra fria, como O Dia Seguinte, de 1983, de Nicholas Meyer, que mostrava o impacto pós bomba na sociedade.

O mesmo se aplica para as batalhas espaciais. Se em O Despertar da Força a decupagem e montagem das cenas de batalha no espaço já haviam chamado a atenção do espectador mais atento pela inovação, Rogue One nos traz uma decupagem que nos deixa a certeza de que toda batalha rodada no espaço tem como referencial os filmes de guerra naval pelos posicionamentos de cruzadores e pouco de batalhas aéreas. O clima da guerra nunca havia deixado uma certeza imagética como este filme cumpre e bem.

Finalizo lembrando a todos que o papel de John Williams nos outros filmes era tão importante como de um montador. Sua trilha dita ritmo e trata o filme como Space Opera no papel narrativo musical. Particularmente escrevi na minha análise de O Despertar da Força a fraqueza da potência musical ao se ouvir a belíssima trilha de John Williams fora do filme e ver como ela poderia estar muito mais presente no filme. Neste, a saída do primeiro compositor Alexander Desplat me deixou receoso, mas que com pouco tempo do filme notei o quanto Michael Giacchino (parceiro de Abrams das antigas) foi bem aproveitado pela equipe de montagem.

Rogue One foi corajoso não apenas na história, mas também por ser o primeiro abrindo alas de como se experimenta num filme derivado, numa história isolada que revela muito mais do que ouvimos falar como lenda, mas que seja verdadeiro e aumente o repertório de uma saga que só consolida mais a cada dia seu valor agregado de folclore mundial.

Prof.º Ms Vebis Jr
Mestre em Cinema
Especialista em Comunicação
Graduado em Audiovisual e Multimídia

Revisão: Rafaela Marchetti 

Redatora / Social Media

Vebis Jr

Professor/produtor/pesquisador/podcaster em Cinema. Velho anarco punk rocker! https://twitter.com/Vebisjunior