Episódio IX - A Ascensão SkywalkerResenha | FilmesResenhas

IX: Crítica | O final de uma jornada e a difícil arte da reconexão

Ha muito tempo….Chega ao fim a maior saga de blockbuster que por muito tempo foi ousadia estética em querer ao mesmo tempo carregar a pecha de cinema de autor independente e ser um filme de ação que atraía todos ao cinema no período das férias. Talvez exatamente neste sentido, se torne muitas vezes contraditório em sua proposta inicial. Vamos entender melhor esse processo.Quando Lucas não conseguia investimento para realizar sua primeira jornada que ganhou como descrição de gênero “space ópera”, resolveu criar sua própria empresa de efeitos especiais e de áudio (ILM e Skywalker Sound) para poder realizar a obra. Ninguém queria acreditar no projeto (acreditar aqui seria investir), mas o autor jamais desistiu de seu sonho até quebrar a lógica da década pesada do cinema setentista e emplaca o início do cinema de aventura, do blockbuster e pontualmente, do cinema de autor milionário.

Nós, os expectadores 

espectador/ô/Aprenda a pronunciarsubstantivo masculino

  1. 1.aquele que assiste a um espetáculo.
  2. 2.aquele que presencia um fato; testemunha, presente.

É comum que dentro do fandon de star wars os fãs troquem ferpas em defesa de suas obras de maior identidade e afinidade (algo que nunca vou entender, já que convivo bem com todas obras que completam um grande universo), mas estranhamente algumas destas discussões que Chris Taylor descreve em seu livro (Como Star Wars conquistou o universo) que o fã que ama Star Wars tem que odiar Star Wars e por conta disso não costumam ser tão fãs de cinema, e isso já dificulta muito a probabilidade de uma visão além da simplicidade a ponto de enquanto assistimos um filme, se desmonte ele para compreender elementos que o contador de histórias invisível nos joga no colo convocando nossa formação de repertório na fantasia para montar novamente o filme e compreendê-lo melhor.Aqui começa a segunda parte deste acordo (quem conta a história e quem ouve) e nós testemunhamos para depois imergir com o nosso repertório cultural para enfim entrar nessa “janela de identificação” que é a tela do cinema. Por isso que independente de um filme ser bom ou ruim, quando nos questionam se devemos ou não ver um filme na sala do cinema, a resposta será sempre: VÁ E VEJA. A sala que se apaga e a tela que recebe a projeção criam uma magia que não há tela de tv, celular ou tablet que substituam. Há uma evidência entre tela e expectador, uma experiência que é pessoal, embora ela seja recebida de forma coletiva e a cada pessoa que assiste, o efeito é diferente e pessoal. Talvez aqui o fã descontente queira causar um ruído nos perfis sociais para que seja ouvido em meio a um oceano de fãs e admiradores que cultuam star wars, um ruído decorrente de uma desconexão.É direito de cada um não gostar de uma obra, mas nada legitima que este desqualifique o efeito que filmes causam na vida do próximo. Nosso diálogo com as obras artísticas nunca devem cessar, pois é no aumento de nossa cultura que adquirimos as ferramentas necessárias para melhor apreciação e absorção.

Golpes do Destino

Voltando ao filme, quando Star Wars foi vendido para Disney em 2012, tínhamos a grande vantagem e a grande desvantagem. A grande vantagem que impulsionou essa compra, foi o fato de que a franquia vende além dos filmes. A expansão de produtos triplicou seu alcance e hoje está presente em todas as lojas de departamento.A grande desvantagem que ficou aparente pelos impulsos do pai das criaturas (aqui me refiro ao titio George Lucas), é o fato de que o percurso do filme seguiria diferente dos desenhos e preposições do grande criador. E o que acontece numa situação destas? Star Wars parou de ser cinema de autor independente pra entrar nas fileiras de filmes que obedecem uma lógica de mercado comandado por uma produção executiva, ou seja, nos referimos à Kathleen Kenedy, a mão de ferro que tantos praguejam contra na poltrona de CEO da Lucasfilm. Pode não parecer, mas isso já é metade da identidade de Star Wars que perde o brilho que mais tinha. Vale lembrar que todos filmes da era Disney sofreram intervenção e além deste novo, Os Últimos Jedi era o único que aconteceu da produção seguir sem problemas de produção.Um dos problemas mais latentes desta trilogia, algo inerente de quem gosta ou não desta trilogia, é a aparente falta de planejamento. Enquanto passamos por duas trilogias conhecendo a forma de trabalho de Lucas: escrever a trilogia inteira e depois rodar um por um dos filmes, essa trilogia foi escrita durante o percurso. Se já tínhamos uma metade da essência comprometida, aqui temos mais uma agravante que pesa como uma âncora.A cereja do bolo se completa quando lembramos que nessa trilogia, além de termos 3 protagonistas novos, seria um filme homenagem debruçado para nosso trio de heróis: o primeiro ao Solo ( e que homenagem, hein?), o segundo para Luke e o terceiro para Leia. Pois é, caro (a) leitor (a), a casa teria caído para uma gestão inexperiente.


Os heróis sem rosto

Meu ponto de admiração neste filme fica por conta dos montadores Maryann Brandon e Stefan Grube que tiveram que trabalhar em conjunto com JJ e Chris Terrio em criar diálogos que rodeasse as cenas captadas de Carrie Fisher em “O Despertar da Força”. Aos que não sabem o empenho da montagem, lhes garanto que é o último milagre no processo do cinema. E tendo estes dois acompanhado a carreira de Abrams em obras que ele produziu ou dirigiu, nos trás o dom do entrosamento. Vamos compreender o valor disso já já.

Reconhecendo a estrutura

Alguns elementos narrativos de trilogias conseguiram se manter. Uma delas é o cargo (as vezes carga e até podemos usar karma) que os filmes do meio da trilogia tem. Tanto Império contra Ataca quanto o Ataque dos Clones e até mesmo Os Últimos Jedi são uma explosões de revelações. Já que os primeiros filmes se encarregam da contextualização e os terceiros cuidam dos desfechos, sendo eles leves como Retorno de Jedi ou pesados como uma tragédia grega de A Vingança dos Sith, o que vimos na responsabilidade do nono filme, é justamente conter elementos que se transformariam em sensações que tivemos em todos os filmes, a lista de demandas a serem cumpridas aumentam sua escala no que se diz respeito a um dos maiores males dessa geração, a expectativa. Quantas histórias imaginárias você criou para este último filme aí na sua mente de tanto assistir, ler e até jogar jogos desta franquia?


As pretensões de um diretor

Mais um momento que podemos distinguir os fãs de cinema e os fãs de Star Wars é quanto as preocupações dos diretores. Em muitas entrevistas, JJ Abrams comenta que nos outros filmes, o trio de heróis agiram de forma separada e em mais da metade deste filme, ele pôde trabalhar com os atores principais em quase todas sequências. Para quem já trabalhou com cinema entenderia que a química entre atores soa como a harmonia entre músicos.  Você pode ter os melhores músicos, se não tiver o ensaio e apreço pelo que faz, não transmitiria a energia necessária para contagiar aos expectadores e ouvintes. 

Star Wars Episode IX: The Rise of Skywalker screen grab CR: Lucasfilm


Essa energia transcende a tela e justamente na sequência inicial temos Poe, Finn e Chewie funcionando como uma banda entrosada em pegar informações do alien Boolio sobre um possível espião traidor na primeira ordem (Agente Kallus manda lembranças), pilotar a Falcon em Fuga e voltar para base no mesmo momento em que Kylo Ren interrompe um dos maiores fetiches do fandon de Star Wars: um treino jedi, desta vez, por Leia. Momentos com esse, a mídia cinema que se torna o mandante de todas outras mídias presentes de Star Wars é aquela que se vira para o Storygroup que cuida das incongruências das histórias de múltiplas mídias e diz: ” se vira aí pra fazer que isso soe coerente”. Sabemos que a cada manobra nova nos filmes, os atos caem como uma bomba no universo multimidiático da saga e seja lá qual mídia for, os abalos sísmicos estremecem a paciência de muito fã, porém, já ficou claro que mais do que nunca o cinema dita as regras dos desdobramentos dos personagens e seus universos, isso talvez explique o porque os personagens da era Disney sejam sempre overpower e deixa tantos consumidores de universos expandidos revoltados. A era Disney também nos trás um problema latente neste filme que poucos se incomodam na atualidade: uma certa padronização de construção de conclusões. Quando o diretor Martin Scorsese criticou a forma da MCU em fazer filmes, além da crítica de que a visão de mercado de que cinema de franquias dominem os investimentos, a comparação a parque temático pretende mostrar essa homogenização das obras que se torna menos artística e cá entre nós, se permita um final de Star Wars parecer tanto com o final de vingadores. É a fórmula que vende porque “funciona”. E se no cinema comercial as cenas funcionam, o fã de franquias (ou uma grande parcela dele) não está interessado em nada além de sua emoção.


Fórmulas, covardias ou medo de inovar?


Diferente dos outros filmes, a jornada do herói aqui se debruçou em traduzir a narrativa através de quests e subquests com Kylo Ren parecendo um chefe de fase a cada avanço de Rey rumo ao seu destino que por ela é aceito, seu confronto final.Já Kylo renega ao grande vilão em segredo tentando sabotar o caminho de domínio da galáxia, mesmo que isso nos soe como missão impossível desde a união da primeira ordem com a última ordem que segue em marcha de domínio com uma frota de mais uma, ou melhor, de milhares de  armas destruidoras de planetas. Um novo conceito de Death Star! O Death Star Destroyer ! (Tio do pavê ataca novamente). Há uma suscepção de falsas mortes que parecem funcionar nas primeiras vezes, mas com o decorrer do filme, o espectador começa a não morder mais a isca deste efeito narrativo. Os avanços do trio de heróis mantém um formato muito semelhante aos filmes de aventura desbravadora onde pouco tempo depois ou enfrentam a primeira ordem na cola ou Rey se depara com Kylo tentando trazê-la para seu lado. O timing do filme relembra muito a maneira como JJ Abrams entope o tempo dilatado com locações novas e revelações a cada um do trio: um Poe Dameron que tem seu passado marcado pela vida smuggler, bem típico de poder aproximá-lo de um Han Solo. Ou Finn sensitivo à força que eventualmente vai conhecer um grupo de renegados stormtroopers e descobrir que todos ali tinham familiaridades com a força, talvez uma das maiores heranças do oitavo filme no que chamamos de “democratização da força”. Sentimos que o filme chega no meio de sua jornada quando Rey e Kylo se degladiam numa paisagem visual contrária àquela em que Anakin e Obi Wan lutaram em Mustafar: a peleja é cheia de ataques raivosos e saltos nos momentos em que a água os cobrisse. Uma rima visual da água contrapondo ao fogo e lava de Mustafar.

Star Wars: The Force Awakens Han Solo (Harrison Ford) Ph: Film Frame © 2014 Lucasfilm Ltd. & TM. All Right Reserved..

As cenas de ação correm intermediando Leia no seu último esforço em trazer seu filho Ben de volta do lado obscuro. Até Solo numa das visões do vilão caído ressurge sem explicações, mas numa belíssima reprise de atos espelhados da mesma sequência no sétimo filme no momento que foi golpeado pelo filho, com direito a mãozinha acariciando o rosto e tudo o que for necessário. Embora não haja explicações, JJ o traz para que o personagem de Kylo tenha seu grande ponto de virada, se livrando de sabre, cicatriz e até dos trajes, é o retorno de Ben Solo.Enquanto Kylo recobra sua honra perdida através do último milagre da mãe, Rey se isola de todos em Ach To, tal qual seu mestre Luke para não ferir mais pessoas. A ghost force de Luke mostra a ela o quanto ele mesmo errou em se isolar. Embora muitas inconsistências no roteiro de Chris Terrio (que fez Batman vs Superman e Liga da Justiça), a história segue sem pausa ou respiro e traz bons momentos de diálogos dos antigos personagens com os novos e com isso, permeiam a sensibilidade que o filme carrega.

Lando aconselha Poe, Luke aconselha Rey. Esse bate e assopra que o roteiro constrói, é uma fragilidade visível de toda gestão desta trilogia em sua péssima escolha de escrever os filmes seguintes depois do buzz que o anterior acende no público. Os arcos entre personagens se fragiliza e o emprego dos personagens da trilogia clássica se reduz em conselho aos personagens protagonistas que chegam no terceiro filme ainda em desenvolvimento, algo que geralmente numa trilogia fica no encargo do primeiro filme em desenhar e desenvolver personagens. E falta muita coragem em vários sites segmentados do mundo nerd em apontar as falhas com medo da retaliação do público que comprou a guerra declarada entre defensores e detratores do oitavo episódio. Quem perde em mais uma polarização no mundo atual é o cinema que carece de criatividade e embarca em fórmulas de cartilha que poucas vezes funciona, mas parece obedecer em formato planilha, cada reclamação feita pelos espectadores. Para nossa sorte, a Saga Star Wars carrega uma áurea tão forte que, quando é submetida às fragilidades desta gestão, ainda consegue um respiro de cenas de ação memoráveis que atendem ao que chamamos de fan service (aqui vale o questionamento do amigo Michel Simões do podcast Cinema na Varanda: qual o limite de fan service?) que contenta parcela dos fãs que estão mais interessados em quadros impressionantes do que o quanto isso contribui ou não com o cinema. E já que falamos de quadros impressionantes, o final apoteótico com certeza entra no coração dos fãs.

O retorno de Lando com uma quantidade excomunal de naves para confrontar a ordem final em paralelo com a chegada de Rey numa arena obscura com arquibancadas repletas dos eternos cultistas sith reverenciando a metamorfose final de Sidious simula o final de retorno de Jedi onde pela segunda vez na saga, expõe Rey a assistir seus amigos fracassando na batalha aérea. Temos uma guerra de espaçonaves na atmosfera (não na galaxia) com um desenvolvimento de espaço, tempo e câmera confusos para compreensão dos movimentos de naves que em todos filmes anteriores eram influenciados por uma espécie de batalha naval.E finalmente chegamos na luta do recém resgatado Ben e Rey contra o imperador palpamito.

Já este duelo,  bem marcante pela tamanha carga dramática que sela o destino de ambos protagonistas preenchendo finalmente a carga emocional de tensões que sempre rodeou os três filmes. Embora muitos fãs da saga rejeitaram a probabilidade de Reylo, o ato de um beijo nem continua a vida a dois e tampouco ignora o chamado “band force” que ambos adquirem na distância.Este é o diretor que foi chamado no lugar de Colin Trevorow,  JJ Abrams é um verdadeiro conciliador. A grande dúvida que paira no ar é saber o quanto ele foi covarde por temer continuar de onde Rian Johnson acabou ou o quanto ele quis ser apaziguador em fechar as três trilogias na tentativa de agradar a maior parcela de fãs da franquia que se encontrava num momento dividida.Aqui, acredito que não existirá obra que tornaria o público com gosto unânime,  trabalho da reconexão do fã descontente é um verdadeiro martírio para um diretor. Caberá ao criador que estaria dividido em obedecer a produção executiva, agradar ao fandon e conseguir um mínimo espaço para trazer algo de novo para franquia e por fim, trazer um lucro rentoso.

Assim, se fecha um ciclo de mais de 40 anos da conclusão da família mais problemática que é perseguida pelo velho caquético mais poderoso das galaxias. O filme pode não ser a melhor peça do painel, sabemos o quão engessado o diretor estava com inúmeros problemas, mas pôde contar com a dinâmica do entrosamento de tantos atores importantes da saga para por o ponto final nesta situação de impasse em star wars. Com esta conclusão, Vader sai deste painel deixando de ser o grande vilão da saga, ainda mantém-se como icônico, mas dá lugar de vilão ao seu mestre Palpatine, o arquiteto que conseguiu raquear o tabuleiro de xadrez e fazer ambos lados ruírem em guerras que os consumiram. Ainda temos várias crianças que puxam a vassoura com a força aguardando seu momento para fazer história e depois que ela seja contada por tanta gente importante que entra na nossa vida involuntariamente e nos aumente a capacidade de sonhar e acreditar. E nós, pobres mortais, só queremos estar vivos para conhecer mais destas histórias extraordinárias.

Atenciosamente,

Prof.º Me. Vebis Jr
Mestre em Cinema 
Especialista em Comunicação 
Graduado em Audiovisual e Multimídia”O Cinema é um campo de batalha” – Samuel Fuller

Vebis Jr

Professor/produtor/pesquisador/podcaster em Cinema. Velho anarco punk rocker! https://twitter.com/Vebisjunior