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Dossiê | Rey Skywalker em Os Últimos Jedi (Parte III) – Análise Contextual

Este é o terceiro post do nosso dossiê. Como toda teoria, leve isso como especulação, e antes de comentar sobre, defendendo ou atacando esta teoria, leia toda a matéria (e se possível, todo o dossiê) para não expressar opiniões equivocadas ou sem fundamento. Obviamente este post contém spoilers de Os Últimos Jedi, incluindo trechos de falas dos personagens. Também contém spoilers do livro Legado de Sangue.


Muitos dos fãs que saíram do cinema depois de assistir O Despertar da Força acreditando que Rey é filha de Luke Skywalker assumiram que esse parentesco seria revelado no início de Os Últimos Jedi, quando nos foi dito que este começaria aonde o filme anterior terminou. Contudo, ao longo do ano de 2017, aprendemos que Luke não daria a Rey um bom tratamento após sua chegada. Naturalmente, isso fez com que os fãs parassem pra pensar sobre isso, sendo que a ideia geral dos fãs era de que Luke iria com certeza reconhecer e receber Rey se ela fosse sua filha perdida.

Aqueles que acreditaram na teoria Rey Skywalker (“ReySky”) ficaram, em sua maioria, decepcionados com como o relacionamento entre Luke e Rey – o qual Rian Johnson tinha descrito como o “coração” e a“essência” de Os Últimos Jedi – terminou sendo. As primeiras ações de Luke em relação ao sabre Skywalker que Rey o devolveu foi olhar pra ele, e então pra ela, em aparente choque, pensando no que fazer por muitos segundos, e então jogou fora o sabre por cima de seu ombro e saiu, confundido tanto a audiência quanto a esperançosa jovem, que ainda iria enfrentar rejeição em sua jornada.

Pra piorar, Luke manteve distância de Rey – tanto fisicamente quanto emocionalmente – durante sua estada em Ahch-To, o qual terminou sem cerimônia com Rey saindo para tentar “salvar” Kylo após uma briga com Luke. Nas cenas subsequentes, vimos Yoda conversar um pouco com Luke, e Luke, por meio de uma projeção da Força, confronta Kylo em Crait para dar tempo de a Resistência escapar (com alguma ajuda de Rey e da Falcon). Contudo, Luke e Rey não tiveram outra reunião depois de brigar em Ahch-To.

Para muitos, essas cenas demonstraram não só que Luke não é o pai de Rey, mas que eles não tinham nenhuma conexão antes da chegada de Rey em Ahch-To. Isso é consistente com uma leitura superficial, o que também sugere que a presença de Rey não teve nenhum efeito em Luke além de lembrá-lo do herói que um dia foi. Muitos consideraram essa dinâmica como desapontante, assim como a aparente falta de conexão familiar entre os dois personagens.

O problema com Rey ser uma “ninguém”

(Nós temos um post mais detalhado sobre este assunto, mas aqui você tem o básico para entender isso sob a ótica ReySky e seguir em frente.)

Quem é você? […] O que você tem de especial? De onde você é? Por que você está aqui?” – Luke

O principal problema com a história de Rey, como apresentado em Os Últimos Jedi, é sua aparente falta de conexão com/impacto na narrativa. O papel de Rey parece ser simplesmente de um catalisador para as histórias de outros personagens principais, e o filme vai além em sublinhar a aparente falta de relação com com os conflitos primordiais dessa história. Enquanto é óbvio o porquê de Luke ser parte da história, e Leia, e – obviamente – Kylo, o filme não torna claro o porquê de Rey especificamente estar ali, diferente de qualquer outro jovem sensitivo.

O relacionamento entre ela e Luke é altamente impessoal por todo o tempo em que ela está na ilha e ambos não causam um efeito direto no outro. Não é Rey quem convence Luke a ensiná-la alguma coisa, é R2-D2. Luke aparenta reconectar espontaneamente com a Força sem que nenhum evento anterior cause nele essa necessidade. Depois de Rey estar completamente alienada de seu quase-mestre e abandonar Ahch-To, é Yoda quem convence Luke a olhar além de suas falhas. E quando Luke dramaticamente se junta aos heróis no final do filme, não é pra finalmente mentorar Rey, mas pra salvar a já abatida Resistência e dar à galáxia mais um feito legendário. Na verdade, durante essa cena, Luke só interage diretamente (por meio da projeção da Força) com Kylo e Leia. E ainda assim, no final, quando Luke se torna um com a Força, o filme mostra que Rey sentiu isso primeiro do que Leia, e aprendemos que Rey até sentiu as emoções de Luke ao morrer. Isso demostra uma forte conexão da Força (ou force-bond) entre Rey e Luke mesmo com a aparente falha ao não formar uma relação pessoal significante durante seu tempo juntos no filme. Muitos dizem que a história de Rey faz sentido, mas as explicações tendem a ser tanto opiniões pessoais quando o famoso “Porque a Força quis.”

Por que Luke está na ilha? Supostamente, para parar o ciclo de violência entre a luz e a escuridão. Exceto que não há nenhuma evidência até o momento de que a Ordem Jedi foi responsável por Snoke, ou que Palpatine não poderia ter tomado a galáxia sem o envolvimento dos Jedi. Por que Rey (especificamente) está em Ahch-To (como o próprio filme pergunta, mas nunca responde de forma satisfatória)? Uma leitura superficial não pode nos dar as respostas que procuramos. Como Rey realmente ajuda Luke? Só por estar ali, aparentemente (algo que até aquele “menino do estábulo” poderia ter feito, pelo o que foi mostrado). Como Luke ajudou Rey? Até onde ela sabe, ele não ajudou.

Logo na primeira metade do filme, Luke pergunta a Rey quem ela é, de onde ela é, e por que ela (antes de qualquer outro) está lá (em Ahch-To). E no final Kylo parece ter dado as respostas: Rey é um “nada,” vem de um “nada,” e “não tem nenhum lugar nesta história.” E aí, se temos que acreditar em Kylo, os pais de Rey eram só sucateiros anônimos (sem rosto e sem nome) que venderam ela por bebida e agora estão enterrados como indigentes. Então, devíamos concluir que Rey foi escolhida em sorteio pela Força para se meter no drama da família Skywalker – os quais são realmente o foco da história – e pra estar ali como uma inimiga de Kylo. Rey então seria, como indivíduo, desnecessária à história, já que a saga continuaria sendo dos Skywalkers, sendo com Rey ou com qualquer outro “ninguém” que fosse forte na Força.

Entretanto, se formos além de uma interpretação superficial da história de Rey, ela sim, coloca Rey como o centro da história, mesmo que ela não saiba disso. A chave está em reconhecer como Luke a trata diferentemente de qualquer outra pessoa. Em nossa proposta de interpretação, Rey não é só uma garota qualquer que atrapalhou a vida quieta de Luke em Ahch-To, mas a filha que ele pensava estar perdida. Luke não está sendo rude por causa de uma aspirante a padawan, mas porque ele acredita que esta é a única chance de Rey de ser livre do legado ruim dos Jedi e da família Skywalker. Em nossa opinião, Luke não foi escrito “fora do personagem”, ele está fazendo a coisa mais “Luke” de todas – sacrificar o reencontro que ele mais desejou durante todos esses anos para salvar sua filha do fardo que destruiu sua família por três gerações.

O livro Legado de Sangue nos mostrou que não é algo que a família Skywalker não tenha feito antes. Luke, Leia, e Han escondeu de Ben Solo o fato de que Darth Vader era seu avô pra tentar livrá-lo de uma vida com o fardo deste legado. Não seria pensar muito acharmos que Luke tenha feito o mesmo com sua filha, não só escondendo o legado de Vader, mas também suas próprias falhas.

Você não tem nenhum lugar nessa história. Você vem de um nada. Você não é nada.” – Kylo

Quem é Luke?

Da última vez que o vimos, Luke tinha triunfado sobre Vader e o Imperador através do amor pelo seu pai. Foi a conexão de Luke com seu pai que permitiu que ele visse que ainda havia luz nele e assim resgatá-lo. Luke obteve sucesso onde ninguém conseguiu por conta dessa conexão. Como vimos em O Retorno de Jedi, são relacionamentos próximos que guiam Luke. Foi só Vader ameaçar levar Leia para o Lado Sombrio, que Luke gritou “Nunca!” e foi pra cima dele, mas ao perceber que ele estava perto de ir pelo mesmo caminho do pai, tornou a si e não o matou. O maior ponto forte de Luke são suas conexões emocionais, mas esta também é sua maior vulnerabilidade.

Então, é uma surpresa enorme vermos o quão ele, aparentemente, adotou a velha regra Jedi do não-apego (coisa que ele tinha cancelado no Legends) depois de ter vencido com a ajuda de suas emoções. Pior, ele teria abandonado a lição de que o mal deve ser confrontado com amor e sem ódio, em favor de um não envolvimento e a perda intencional de sua conexão com a Força. Tendo contribuído não-intencionalmente para um novo ciclo de violência, a reação de Luke seria esconder da única pessoa que parece estar pronta para confrontar Kylo toda a sabedoria de que ela precise.

E é particularmente estranho que Luke pareça não ter desenvolvido uma conexão com Ben como ele fez com seu pai ou sua irmã. Enquanto Leia sentiu a escuridão crescente em Ben e o mandou para seu tio desesperadamente, Luke parece não ter percebido o quão grande essa escuridão era nele antes daquela noite do massacre, ainda que percebendo alguma escuridão no treinamento de Ben. Ben não foi o único em que Luke falhou em se conectar. Vários estudantes também se rebelaram junto com Ben.

E pior, ao invés de sentar com Ben e falar sobre suas tendências sombrias, Luke preferiu entrar na sua mente enquanto ele estava dormindo pra ver o que estava acontecendo. Pelas palavras de Luke, o que ele viu o chocou tanto que ele quase matou Ben para prevenir a galáxia desses horrores. Logo Luke, que aprendeu o poder da compaixão e a importância da discrição quando isso quando isso diz respeito ao futuro na Trilogia Original. Tudo isso vai contra o caráter de Luke, mas achamos que isso é intencional.

Então, a questão se torna em: O que aconteceu para Luke abandonar tudo o que ele um dia acreditou e defendeu? O que faria Luke ser quebrado ao ponto de abandonar as conexões emocionais? Talvez a perda de uma criança?

Uma das grandes características de Luke é o senso de dever em cuidar e proteger aqueles em volta dele, especialmente os que ele mais se preocupa. As únicas vezes que o vimos quase se entregando ao Lado Sombrio foi quando sua família ou amigos foram ameaçados. Vemos isso quando Luke deixa o treinamento em Dagobah por conta de uma visão em que seus amigos estavam em perigo, e duas vezes em O Retorno de Jedi: Quando o Imperador mostra a ele a armadilha em que a Rebelião caiu, assim o atiçando a lutar contra Vader, e quando o próprio Vader o ameaça com a possibilidade de Leia ir para o Lado Sombrio.

A criança de Luke é a única pessoa em que ele tem o dever absoluto de proteger. Falhando nesse quesito seria devastador para Luke e a dor da perda seria suficiente para fazê-lo procurar maneiras de lidar com isso, ainda que seja voltar à doutrina antiga dos Jedi que pregava o não-apego e a não-conexão emocional com as pessoas. E é por isso que, na perspectiva de Luke, Ben seja o segundo Skywalker a cair por conta dos antigos ensinamentos.

Meu sobrinho com aquele poderoso sangue Skywalker. E em minha arrogância, pensei que eu podia treiná-lo, passando adiante meus pontos fortes.” – Luke

Ben não caiu somente por conta da falta de um relacionamento pessoal com seu tio e mentor, mas também por terem guardado segredo sobre quem seu avô era. Como vimos em Legado de Sangue, Luke e Leia não contou a Ben o que aconteceu com Anakin, abrindo as portas pra que outro contasse e desse a isso o contexto que quisesse. Luke e Leia pensaram que ao não passar a ele a maior falha da família, iriam ajudar Ben a evitar falhar, mas ao invés disso deixaram o caminho aberto. Considerando, também, a imensa perda pessoal que Leia sofreu por conta de seu parentesco com Vader – mesmo com toda a sua boa reputação e conquistas – Luke pode ter começado a encarar o nome Skywalker e suas implicações mais como uma maldição do que um presente. Até por que, ele foi pessoalmente responsável pela queda de um dos membros de sua própria família.

Ao invés de ser a única causa do exílio de Luke, a queda de Ben seria somente a gota d’água de uma série de tragédias. Pra ele, sua família só pode ser uma maldição sobre a galáxia, e os ensinamentos Jedi também são encarados como doentios, já que ele teria que escolher entre segui-los ou defender as pessoas que ama. É de se esperar que ele ache que a galáxia seria muito melhor sem ele ou os Jedi. Por isso concluímos neste ponto que somente a teoria ReySky poderia livrar o Luke de Os Últimos Jedi de ser taxado de algo “fora do personagem” no futuro.

Um terrível sacrifício

E é com esse contexto em mente que devemos considerar o que Luke estava pensando quando Rey apareceu com o sabre Skywalker. Qualquer sentimento de felicidade ao ver sua filha viva e o quão a Força foi bondosa em guiá-la até ele são cobertos pela sombra do legado e do nome de sua família ao ver o sabre em suas mãos. A falta de conhecimento de Rey sobre seu passado seria a única chance dela ser feliz, e é uma terrível escolha que se apresentou a Luke.

No fim, parece que Luke só tinha uma escolha: Não deixar que Rey saiba quem ela realmente é e não ensinar a ela o caminho Jedi. Assim, na cabeça dele, ela iria ir embora e nunca mais voltar. E é aqui que Os Últimos Jedi começa.

Próximo


Este dossiê é uma tradução livre da série “The TLJ Case for Rey Skywalker”, feita pelos fãs da Star Wars Shadow Council, que são responsáveis pelo maior banco de dados de eventos do cânon no Reddit, o r/StarWarsReference.