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A Alta República e o desencontro com criadores de conteúdo estrangeiros

Star Wars e sua nova fase literária, que inclusive engloba HQs, estão no topo da lista de vendas, segundo a revista NY Times. A Lucasfilm Publishing viu seus títulos de estreia A Luz dos Jedi, de Charles Soule, e o livro infanto-juvenil Um Teste de Coragem, de Justina Ireland, tomarem o primeiro e segundo lugar respectivo na lista de mais vendidos, trazendo satisfação e sucesso a Jennifer Heddle, editora executiva da Lucasfilm, e Thomas Hoeler, da Del Rey Books, e encorajar Lyssa Hurvitz, gerente de publicidade da Disney Publishing, sentirem que terão um trabalho incansável pela frente. Parte desse planejamento está na mente brilhante do diretor de criação da Lucasfilm Publishing Michael Siglain, que desenhou etapa por etapa no lançamento dos livros e quadrinhos em uma ordem que favoreça a absorção do material: no próximo mês, o livro Into the Dark, da mais promissora escritora da saga Claudia Gray, chegará às lojas no dia 2 de fevereiro e o quadrinho Star Wars The High Republic #2 em 3 de fevereiro (ambos lá fora).

Aqui no Brasil, a recepção dessa nova era literária tem atingido a graça entre os fãs e influenciadores que tem lido, comentado em grupos e criado seus vídeos, podcasts e textos acerca das obras, ao contrário de boa parte dos canais americanos da saga. É nessa parte que este texto se debruça a analisar um pouco mais de perto essa estranha recepção das obras por parte de canais que durante todo processo de transmissão da segunda temporada de The Mandalorian, que foi ao ar nos três últimos meses do ano passado, mais se preocuparam em se colocar acima da obra do que analisá-la.

O estranho percurso dos influenciadores de Star Wars no exterior

O criador de conteúdo no Brasil tem interesse de saber sempre o que anda na “boca do povo” em território americano, portanto é acompanhando os principais veículos que ganham visibilidade, que podemos mapear qual a tendência de assuntos sobre obras, e acompanhar a lacuna de tempo após o filme A Ascensão Skywalker, que estreou nos cinemas em 19 de dezembro de 2019 e da segunda temporada de The Mandalorian, em 30 de Outubro de 2020.

O que vimos nesse recorte de tempo por parte de canais sobre a saga e que obviamente influenciou alguns canais no Brasil foi uma intensa movimentação baseada muito mais nos desafetos pessoais de cada um dos influencers do que uma análise e tentativa de diálogo com a obra. Com isso, uma disseminação em massa de informações descaracterizadas de veracidade, o que comumente chamamos de fake news e alguns clickbaits.

Sabemos que as fake news nunca deixaram de existir. Desde que os homens puseram o pé na Lua em 1969, houve uma crescente teoria de conspiração acusando que Stanley Kubrick estivesse por trás disso decorrente ao fato de que no ano anterior havia rodado o filme 2001: Uma Odisséia no Espaço e, se formos pensar em fake news na esfera popular, tivemos na cidade de Guarujá na baixada paulistana, um hediondo espancamento público de uma mulher acusada de bruxaria que foi divulgada por perfis sociais e que culminou em sua morte sem ao menos terem uma prova concreta dos atos acusados de bruxaria ou de que a suposta mulher flagelada fosse realmente a acusada.

Atos como esse mostram que os perfis sociais se tornaram fatores desencadeadores para um mecanismo de propagação com uma propriedade de se alastrar entre as camadas da população de menor instrução e informação. Assim, os influencers ou pessoas que se colocam na posição de “salvadores da pátria” se tornam profetas dos que acreditam na narrativa conspiratória. Muito porque estes porta-vozes dizem aquilo que essa parte da população quer ouvir em uma velocidade e amplitude inauditas.

O historiador Robert Darnton mostrou lá no século XVIII como era infestado de falsidades, plágios incompletos, imposturas e calúnias de autores que ficavam protegidos em seu anonimato ou por pseudônimos. Recentemente um influencer autointitulado DoomCock e o petulante Mike Zeroh propagaram inúmeras fake news em seus vídeos, na qual articulava sobre a possível demissão de Kathleen Kennedy da Lucasfilm. Ou até mesmo poucos destes que assumem sua assinatura em teorias furadas de conspiração como Niatoos “Toos” Dadbeh, do canal Star Wars Theory, se deu a liberdade de aproveitar o hype do quinto episódio de The Mandalorian intitulado The Jedi para tentar emplacar seu fan film sobre Mace Windu ter sobrevivido. Mas antes disso, forçou a barra alegando que o episódio poderia ter a presença do Jedi arremessado. Até chegar às telas da TV revelando a atriz Rosario Dawson na pele de Ahsoka Tano, o burburinho sobre o retorno de Mace Windu já estava na “boca do povo” e seu fan film ganhou esteira de propagação entre os fãs.

Se a gente entender qual o problema das fake news em notícias sobre a saga, aprenderemos assim a procurar as notícias com bases sólidas sem colocar em risco o cerne da liberdade de expressão que consiste na tolerância com a livre circulação de noções detestáveis, versões distorcidas, enfoques parciais, sentimentos odiosos. O preço que pagamos por essa liberdade de imprensa é a existência de péssimos veículos de informação, por mais que poucas pessoas tenham ferramentas para analisar se a informação é verdadeira ou falsa.

Por fim, o duopólio Google e Facebook dificulta um pouco o combate às informações erradas. Nenhuma dessas organizações tem compromisso ou interesse de sustentar a liberdade de expressão, nem sequer a expertise necessária para discernir entre jornalismo de qualidade melhor ou pior. Seu único propósito é aumentar o tempo de estadia do maior número possível de pessoas em suas respectivas redes e extrair delas todo tipo de informação que sirva para fins publicitários.

Portanto, o papel do leitor de obras de Star Wars tem duas opções quando procurar conhecer mais deste universo vasto: se juntar aos propagadores de materiais alarmistas ou se informar com canais que levam a sério o conteúdo, a análise de material com princípios nobres que contribuem para sua compreensão e isso temos de sobra no país. E como usamos influenciadores em vídeo, nada mais justo que citar nossos 3 maiores influenciadores e que levam a saga a sério a ponto de pesquisar o material e ter cuidado em informar o fã.

Falamos com Northon Domingues, Caique Izotom e João Jedi (do canal Diário Rebelde). Os três amigos colaboraram com este texto dando seus pontos de vista com o melhor exemplo possível que poderíamos ter: a chegada do material de The High Republic e a baixa adesão destes canais alarmistas e como o fã usual preferiu seguir o seu caminho e conhecer o que estes escritores tinham a contribuir na exploração de um período novo na linha de tempo da saga, apontando os maiores trunfos em se construir um período coeso numa proposta totalmente livre que pode nos oferecer histórias maravilhosas e nos trazer novos guardiões da paz e quais vilões ameaçavam a paz na galáxia.

NORTHON DOMINGUES, é paulistano da região de Bauru e criador de conteúdo no canal que leva seu nome e está na jornada desde 2017. Embora sua especialidade em Star Wars é de um nível que poucos alcançam, o criador não quer morrer com o ouro e gosta de compartilhar conhecimento, seja sozinho ou com a esposa, que é uma criadora de conteúdo engajada e divertida, a Naty Zama. Seu canal abrange análises de outras obras no universo pop e vale a visita caso você raramente não o conheça.

Confira na íntegra o que ele afirmou:

A Alta República tem uma premissa interessante. Estamos falando de uma época de otimismo e expansão. Tudo está às mil maravilhas, a República está abrindo as portas para planetas mais afastados, os Jedi estão no seu auge como defensores da paz. Mas, e se essa felicidade toda fosse ameaçada? E se a fé das pessoas com relação a tudo isso ficasse abalada? É apostando no senso de urgência somado a uma vontade de exploração de uma nova parte do universo que a Alta República ganha força no sentido narrativo. Estamos vendo algo novo que se passa em um tempo antigo que nos leva para o declínio de tudo com a queda da República nos filmes dos anos 2000. Tudo está mais ligado do que nunca. Mas então, por que existe uma parcela de “fãs” que estão desmerecendo uma fase que apenas começou, se ela está tão ligada assim a linha do tempo principal da franquia? É curioso pensar que a fase editorial de Star Wars com a maior diversidade de autores e personagens, que prega sobre esperança e união (elementos básicos de Star Wars, sabe? Aliança Rebelde… então.) está recebendo tantas críticas negativas sendo que, como citado nesse brilhante texto por parte do também brilhante Vebis, está se mantendo na lista de mais vendidos por semanas. O fã de Star Wars é apaixonado por Star Wars, talvez até apaixonado demais. Essa paixão excessiva se torna tóxica em poucos instantes seguindo uma fórmula facilmente reconhecível: Pegue um pouco de falsa sensação de nostalgia eterna, acrescente um pouco de medo da juventude e pseudo superioridade moral (que pode ser substituída por pedantismo) e, por último, coloque várias pitadas de preconceitos incubados que foram alimentados por anos pela falta de interpretação para com qualquer material consumido e… pronto! Claro que essa parcela barulhenta de fãs não passa de um número ínfimo, mas tudo que sai do formato pré-estabelecido por esse grupo se torna automaticamente um inimigo, algo a ser evitado e até destruído, com base em uma narrativa que elege quem concorda em um “verdadeiro” fã, gritando aos nove ventos que os “falsos” fãs não sabem o que é Star Wars. Um fã “de verdade” não é quem sabe o nome de 100 planetas e sim aquele que entende a mensagem sobre esperança e união presente nas 3 trilogias, quem dialoga e se diverte com outros fãs, afinal, gostamos do mesmo universo. Eu me sinto honrado por fazer parte de um grupo de fãs que se respeitam, que não brigam por gostar de filme X ou Y. O Mestre Yoda fala uma frase no filme 6 O Retorno de Jedi com a qual eu me despeço: ‘Uma vez que pelo caminho sombrio siga, para sempre dominar seu destino ele irá'”.

CAIQUE IZOTOM é carioca e tem um canal homônimo no YouTube desde 2017. Ele analisa também obras do universo pop culture, porém tem sua queda maior para o universo da saga de Star Wars.

Veja o que nos contou:

“Durante o Episódio II, Mace Windu tem um diálogo um tanto pessimista sobre o estado da Ordem Jedi no período da República, onde ele diz: ‘Acredito que seja hora de informar ao Senado que nossa habilidade de usar a Força diminuiu’. Se os Jedi daquele período, guerreiros extremamente precisos e poderosos com a Força já não representavam mais o auge da Ordem, então qual teria sido esse possível ápice ainda mais glorioso dos Jedi? Acontece que anos depois de Ataque dos Clones, encontramos a resposta na Alta República. Um dos questionamentos principais que pautou a criação dessa nova era de Star Wars foi a suposição sobre “O que assusta os Jedi?”, como foi anunciado no trailer da lançamento da Alta República. Logo de cara, fiquei com receio da proposta ser um passo maior do que a perna de uma mídia fora dos filmes da saga, mas depois de começar minha leitura por Light of the Jedi fui rapidamente tragado para esse cenário que posiciona a antiga Ordem frente a uma ameaça que leva os Jedi ao extremo do maior ideal deles: salvar vidas. A Alta República está abrindo portas para um passado inexplorado, incorporando influências fundamentais de Star Wars nos seus temas, como a conquista do oeste americano na forma da busca pela prosperidade em novos mundos. Para aqueles que tem a sobriedade de dar um descanso para a amada saga Skywalker, que por sinal não vai sair do seu lugar enquanto novos livros são publicados, vejo a High Republic como uma oportunidade que reflete seu próprio tema: um período de instigantes descobertas além de fronteiras inexploradas.”

JOÃO JEDI é a mente criativa por trás do irreverente canal Diário Rebelde, projeto este que vislumbrava lançar há muito tempo, mas só teve a chance (e tempo) de planejar o canal em 2016 e finalmente pôr vida ao canal em janeiro de 2019. Desde que comandou o Conselho Jedi Bahia (hoje mora em São Paulo) já cuidava dos conteúdos nos perfis sociais do fã clube.

Confira o relato do produtor de conteúdo:

“Um dos principais desafios de produzir conteúdo com Star Wars é encarar que, às vezes, o que alguns fãs menos gostam sobre a saga é da saga em si. Lançamentos que fogem um pouco do padrão, ainda que mantenham a essência do Star Wars que conhecemos, enfrentam resistência e, em alguns momentos, discurso de ódio. Alta República não foge a essa regra, principalmente com um pequeno número de produtores de conteúdo do exterior, demasiados barulhentos. Felizmente, o público do Diário Rebelde tem demonstrado que prefere entender o que os novos produtos de Star Wars podem agregar em vez de depreciar gratuitamente. Claro que, eventualmente, há um comentário ou outro declarando que Alta República “é um lixo ideológico de Kathleen Kennedy para destruir a saga”. Mas, em sua maioria, os comentários são amigáveis, interessados e, até mesmo, empolgados com a nova fase. Isso me deixa otimista e me motiva a fazer conteúdo direcionado para um público muito mais parceiro, crítico e interessado.”

Tal qual a saga, se o influencer for do “light side”, a tendência é um engajamento maior

A conclusão que chegamos é que justamente tomando o panorâma político como exemplo no mundo, matérias e conteúdos com teor tóxico tendem a fisgar apenas o leitor ou ouvinte que já vive em terreno alarmista e cheio de teorias de conspiração sem comprovação verdadeira de fatos. O verdadeiro fã de Star Wars que entendeu que não é xingar Kathleen Kennedy ou chorar na esperança de que a trilogia sequel se torne Legends seja um caminho plausível, entendeu que “a fila andou” depois da ciência do alto escalão Disney que sem um bom planejamento o fã da saga vai reclamar e implodir seu material de consumo e talvez justamente por saberem que o planejamento é o cerne de um bom projeto, que hoje temos 11 séries, dois filmes e um universo novo na timeline que não foi explorado e tem surpreendido a todos que querem saber mais de novas histórias, novos heróis e heroínas do universo literário da saga.

Em poucas vezes o Brasil esteve à frente dos americanos na análise de materiais novos. Isso mostra o quanto nossos influencers daqui estão predispostos a conhecer novos materiais e desfrutar deles e da visão de escritores e escritoras que inovam, deixando de lado a mesquinharia e indisposição que alguns canais americanos gastam tempo e energia com algo que no final parece não atribuir para nada, a não ser o próprio ego da mesquinharia e má vontade.


Por: Prof.º Me. Vebis Jr
Mestre em Cinema
Especialista em Comunicação
Graduado em Audiovisual e Multimídia
“O Cinema é um campo de batalha” – Samuel Fuller

Vebis Jr

Professor/produtor/pesquisador/podcaster em Cinema. Velho anarco punk rocker! https://twitter.com/Vebisjunior