The Acolyte: Até que ponto o fã aceita o “fan-service”? | Crítica
The Acolyte chegou ao seu oitavo e último episódio após uma sequência confusa e não muito atraente de altos e baixos. E por “altos” entenda que o parâmetro é baixo. Uma série que sofreu muito com marketing equivocado e o boicote infundado de alguns que se dizem fãs, mas que não teve forças para mostrar a que veio e silenciar essas críticas precoces.
Bom, dentro desses problemas iniciais, a minoria barulhenta da turma contra a “lacração” foi perdendo voz ao longo das semanas, infelizmente não por receberem algo tão bom que a ideia de não existir um protagonista masculino e branco fosse esquecida, mas porque uma maioria encontrou verdadeiros problemas para criticar. E aqui o marketing se torna um dos vilões ao prometer uma visão errônea da série, a ideia de um “ponto de vista do lado sombrio” não foi mostrado e se por isso eles apenas queriam inferir uma visão da fraqueza dos Jedi, a escolha de palavras foi bem infeliz.
De toda forma, tudo se resolveria com a entrega de um material sólido, mas o resultado foi outro. Outra promessa era a de um thriller de mistério, muitos trailers mostravam a série como uma investigação após a morte de alguns Jedi. Realmente, há um mistério, há mortes de Jedi, há uma investigação. Porém, para o público já é entregue quais são as peças desse tabuleiro, e as peças encobertas, como quem é o Mestre de Mae, são completamente previsíveis. Até mesmo o mistério que permeou a série após o terceiro episódio teve uma entrega tão insatisfatória que não compensou a espera.
E aqui podemos trazer à tona dois dos maiores problemas de The Acolyte: edição e roteiro. Sobre o primeiro trazemos transições excessivas e fora de lugar, mudanças de pensamento extremamente bruscas (Mae em Koffar mudando de ideia a cada cena) e a sensação de que episódios foram divididos em dois para preencher os oito anunciados. Quanto ao roteiro há tantos pontos que não caberiam nessa crítica, mas o principal está em falas extremamente expositivas, indo contra a máxima dos roteiristas de “mostre, mas não fale”, frases clichês e decisões confusas.
Sejamos justos aqui, a série não tem apenas aspectos negativos. Em termos técnicos há elementos louváveis, como por exemplo as coreografias de lutas. Todas as lutas da série, seja com sabres de luz ou corpo a corpo são muito bem feitas. Outros pontos como maquiagem, figurino e caracterização são incríveis. Todo o design de produção é feito com muito cuidado, mas infelizmente só isso não basta.
Narrativamente a série não conseguiu construir uma história coesa, muitos dos problemas vividos pelos personagens seriam facilmente resolvidos. Claro, muitas histórias se desenvolvem por conta de um mal entendido, alguma decisão precipitada que levou a algo maior, mas quando usados nesta série tudo poderia ser contornado. Como exemplo, o maior mistério da série: o que aconteceu em Brendok na noite do incêndio? Basicamente um mal entendido, escolhas ruins que não justificam um acobertamento por parte dos quatro Jedi, talvez o Mestre Sol tivesse motivos para querer esconder o que houve, mas Indara não. E mesmo se o Alto Conselho ouvisse os quatro envolvidos, não haveria motivos para nada mais do que alguma leve punição. Indara matou as bruxas para salvar Sol, Torbin e Kelnacca e sequer sabia que interromper a ligação as mataria. Torbin queria levar as garotas perante o Conselho como prova da vergência e foi levado ao limite pela possessão de Aniseya. Sol teve decisões mais egoístas do que altruístas, porém seu maior pecado foi matar Aniseya, que o fez ao acreditar que ela faria algum mal à garota.
E em meio à saídas tão convenientes como uma nave em perfeito estado parar de funcionar no exato momento em que uma mensagem importante seria enviada temos os momentos de ligações com outros materiais, muitos deles completamente desnecessários. Um deles definitivamente é a aparição de Ki-Adi-Mundi, personagem que não contava com data de nascimento confirmada no cânone, mas que não havia necessidade alguma de acrescentar algumas centenas de anos à sua idade. Ainda mais parando para analisar as possibilidades de membros da Ordem Jedi que já estavam vivos na época e fariam essa ligação com as prequelas.
Essa necessidade em gerar ligações com os Episódios I, II e III ainda forçaram o ponto da fraqueza dos Jedi. Aqui também podemos traçar ligações com os materiais da era conhecida como High Republic, de onde saiu a personagem Vernestra Rwoh. A ideia de mostrar como os Jedi não são deuses e também falham não é novidade, as prequelas usaram muito isso para justificar sua queda. Sutilmente, os livros da High Republic colocam pistas de como a República aos poucos se infiltrou na Ordem Jedi, as relações se estreitaram e os Cavaleiros Jedi se tornaram a principal linha de defesa do governo. E decisões do Alto Conselho, principalmente, demonstram como eles se tornaram soberbos. Infelizmente essa sutileza não foi trabalhada em The Acolyte que tenta escancarar a todo momento que não se pode confiar nos Jedi.
Entrando em ligações e “fan services” não podemos ignorar o pior deles: Darth Plagueis. Por míseros segundos de aparição, uma comoção se ergueu. Mas seria isso o bastante para fazer todos esses episódios valerem a pena? Ou melhor, é digno de tal personagem ser introduzido em um material tão fraco?
Contextualizando, Darth Plagueis é o Mestre Sith de Palpatine. Ele é mencionado em A Vingança dos Sith e explorado no livro Darth Plagueis de James Luceno, esse segundo parte da cronologia Legends (infelizmente). Esse é um personagem muito aguardado pelos fãs e realmente havia esperanças de que fosse apresentado nessa série, já que ela trabalharia com o lado sombrio. E após tanta ênfase na criação de vida através da Força, algo que Plagueis buscava, era de se esperar que ele estivesse envolvido na trama. Além disso, o planeta onde O Estranho leva Osha tem todas as características de Bal’demnic, onde Plagueis mata seu mestre, Darth Tenebrous, e se torna o Mestre Sith.
A ideia de trazer elementos do Legends também não é novidade, muitas produções trabalham em cima disso. Contudo, às vezes pequenas menções podem ser mais bem recebidas do que um enredo todo trabalhado em cima de uma ideia já existente. Quando se utiliza algo já criado, não há como fugir de comparações, e quando o novo conteúdo não se equipara em qualidade, essa comparação pode se tornar bem perigosa. No caso de The Acolyte, ainda não temos a história nova de Plagueis, mas com um início tão conturbado é difícil esperar algo à altura de seu livro.
Apenas trazer um personagem para inserir um material no mesmo universo das outras acaba saindo pela culatra. A showrunner da série, Leslye Headland, diz ser fã da saga e conhecer conceitos do Legends, e isso não se nega. Dentro da própria série há usos interessantes disso, o Cortosis é o metal usado pelo Estranho que faz ligações com Darth Plagueis e Darth Bane, sem forçar uma conexão estranha, é natural, diferente de um certo Cereano. E diferente também do conceito do Cristal Kyber sangrar, algo mostrado em algumas HQs com Darth Vader e Kylo Ren. A ideia basicamente é que para os usuários do lado sombrio usarem lâminas vermelhas, o cristal dentro do sabre de luz deve ser sangrado, para isso, a pessoa deve derramar toda a sua raiva, ódio e sofrimento no cristal, que poderia resistir a esse processo e até mesmo se danificar. Apesar de uma cena muito bonita visualmente, Osha simplesmente sentir ou usar o lado sombrio não seria suficiente para sangrar um Cristal Kyber, se fosse assim, como Anakin Skywalker, já nomeado Darth Vader portaria um sabre de luz azul?
The Acolyte acertou em seu último episódio com um personagem original: o Senador Rayencourt. Uma das poucas cenas em que houve um diálogo digno de nota, mostrando as preocupações desse político em relação a falta de supervisão da Ordem Jedi. Sua frase sobre como seus membros tentam controlar o incontrolável, referindo-se às emoções que eles tanto suprimem é fenomenal. Foi nesse personagem que a série mostrou algo interessante, uma pena que por tão pouco tempo, e justamente ao criar algo original.
Se The Acolyte demonstrou algo é a fragilidade em tentar sustentar uma produção em momentos de “fan service”. Ahsoka foi um exemplo disso, porém ao redor desse artifício havia uma narrativa coesa que levou seus personagens do ponto A ao B, há críticas às escolhas da série, mas em geral ela trouxe momentos para agradar os fãs e uma trama original envolvente. O roteiro de The Acolyte se mostrou fraco na melhor das hipóteses, com dez cabeças pensantes para uma série de oito episódios, talvez a aposta deveria ter sido “menos é mais”.
O final de The Acolyte provou que você pode fazer uma narrativa cansada e pobre, desde que o encerramento traga um mestre envolto em sombras dentro de uma caverna e as costas de outro mestre verde e de orelhas pontudas. Afinal, o que importa é fazer a pessoa apontar para a tela e pegar a referência, não é mesmo?