‘Visions’ retorna com temporada que beira a perfeição
Em 2020, a Lucasfilm anunciou Star Wars: Visions com a premissa de ser uma série em anime, algo desejado há muito tempo por fãs da saga. O conceito deu certo: o primeiro volume da série, que estreou em 2021, foi bem recebido pelos fãs de animação japonesa e de Star Wars.
O conceito evoluiu para a segunda temporada, em uma guinada que lembra Love, Death & Robots, da Netflix. Desta vez, não eram apenas estúdios japoneses que ficariam responsáveis por trazer para os fãs do mundo todo sua visão sobre Star Wars. A série se globalizou – agora, estúdios do Japão, Índia, Reino Unido, Irlanda, Espanha, Chile, França, África do Sul e Estados Unidos assinam episódios da série – e o resultado foi emocionante.
Sith
O primeiro curta, Sith, traz a história de Lola, uma Aprendiz Sith que abandonou seu caminho. Agora, ela tenta pintar sua base utilizando a Força, mas se esbarra nesse trabalho quando manchas sombrias continuam aparecendo nas pinturas. Sua nova vida junto com seu droide em um mundo remoto é interrompida quando seu ex-Mestre a encontra, os levando a um duelo mortal.
O curta, produzido pelo El Guiri Studios, utiliza um visual de outro mundo (com o perdão do trocadilho) para contar essa história. Faz-se uma mistura de 3D com um traçado pintado, contextualizando visualmente o lado artista da protagonista e trazendo sua própria assinatura à série. O curta basicamente tem dois visuais, sendo um abstrato, como se fosse uma tela branca com diversas manchas de pintura, representando a a mente da personagem, que tenta pintar na tela uma nova vida. E o mundo real, muito mais desolado e sujo, que é revelado a medida que Lola enfrenta seu antigo mestre.
A história traz o clássico embate moral entre o Lado da Luz e o Lado Sombrio: seu desequilíbrio e equilíbrio. Lola sofre ao enfrentar seu ex-Mestre, desequilibrada pelo lado sombrio que a habita. Ao perceber que o Lado Sombrio e as manchas sombrias são parte de si, ela consegue derrotar seu ex-Mestre e, finalmente, sonhar em pintar sua nova vida, sendo dona de seu destino.
Screecher’s Reach
Após iniciar o Volume 2 com uma história de superação e final feliz, somos abatidos com uma história dura e cruel. Produzido pelo estúdio Irlandês Cartoon Saloon, responsável pelos filmes A Ganha Pão e Canção do Oceano, Screecher’s Reach, que usa contos da cultura céltica como inspiração, conta a história de Dall, uma jovem menina que trabalha em uma “fábrica de suor”, fábricas essas que também são uma herança terrível na história irlandesa, com alguns amigos.
Cansada desta vida, ela convence seus amigos a irem com ela numa caverna sombria chamada de Screecher’s Reach, um lugar que dizem possuir um fantasma. Guiada por um estranho colar, Daal chega à caverna e encontra a Fantasma, que na realidade é uma aprendiz Sith que vive presa na caverna.
Após mandar seus amigos fugirem, Daal usa a Força para esmagar a velha Sith e depois a executa usando seu sabre de luz. Depois disso, é revelado que o colar na verdade é um comunicador e do outro lado da linha está uma pessoa chamada Mãe Sith, que deu a tarefa a Daal de matar sua antiga aprendiz. Apesar de seus esforços, a Sith rejeita o pedido de Dall de levar seus amigos consigo, deixando-os se sentindo traídos. Indo embora, Daal olha para trás para ver seus amigos uma última vez.
A história trata em seus 15 minutos de duração temas cruéis, como o trabalho infantil e a perda da inocência, levando a jovem protagonista a ter que conseguir de qualquer maneira uma vida melhor para si, nos trazendo a um final agonizante e com a promessa de um futuro sombrio para a vida não apenas de Daal, mas também daquelas que ficaram.
Nas Estrelas
O terceiro curta, uma animação 3D que simula stop-motion, é realizado pelo estúdio Punkrobot. Nas Estrelas é mais um a ter uma narrativa com temas pesados. Inspirado em assuntos do mundo real como o colonialismo, o curta-metragem conta a história de duas irmãs, Koten e Tichina, que são as últimas de seu povo após o Império conquistar seu planeta e cometer um genocídio contra sua população. A mãe das duas liderou uma rebelião contra o Império após este construir uma fábrica que tirou a água limpa do povo, causando poluição visual e na água do mar.
Tichina é convencida que elas podem derrotar o Império usando a Força, enquanto Koten trabalha arduamente para mantê-las vivas. Após a água acabar, Koten parte em busca de mais água dentro da fábrica Imperial, mas sua tarefa é atrapalhada quando sua irmã é pega pelos Stormtroopers. As duas são quase executadas, até Koten despertar suas habilidades na Força e destruir a fábrica e inundar tudo.
Após isso, as duas se abraçam felizes, enquanto a vida retorna ao seu planeta e sua mãe, que elas acreditam ser uma estrela, olha para elas. Entretanto, há um detalhe que pode torar esse final agridoce: duas estrelas brilham ao lado da estrela da mãe das irmãs. Será que elas conseguiram derrotar o Império, mas morreram juntas?
Eu sou sua Mãe
Após dois episódios de temas pesados e tristes, a série volta com um quarto curta-metragem leve, que traz aquela conversa geracional que Star Wars costuma fazer. Trazido pelo prestigioso estúdio Aardman (A Fuga das Galinhas), Eu Sou Sua Mãe apresenta a história de Anni, uma Twi’lek que estuda na Academia de Pilotos de Wedge Antilles (uma aparição hilária, sendo interpretado novamente por Dennis Lawson) em Hanna City, capital de Chandrila, que por sua vez é a capital da Nova República.
Anni se inspirou em sua mãe solo, Kalina, para se tornar uma piloto e as duas vivem uma vida simples, numa antiga nave rebocadora, e sua vida é motivo de bullying por uma colega da escola. Por isso, quando chega uma competição onde os estudantes participam de uma corrida com seus pais, Anni se sente envergonhada em levar a mãe, por conta da nave e também por aquele velho drama de filhos adolescentes sentirem vergonha dos pais.
Kalina acaba descobrindo a corrida ao chegar na escola com a nave para entregar o almoço da filha. Lá, a colega continua o bullying e Anni conta para mãe por que não a chamou para participar da corrida. Kalina não se abate muito e decide entrar na corrida, para dar uma lição à colega de Anni e também para a mãe dela, que voam numa nave sofisticada. Kalina rapidamente mostra, também, para a filha o motivo dela ter sido a inspiração de Anni, além de mostrar que esta última também tem motivos para orgulhar a mamãe.
É um dos poucos curtas da temporada que têm uma história leve e, como sempre, o estúdio Aardman traz uma animação perfeita para contar a narrativa.
Jornada à Cabeça Sombria
Após o breve desvio sobre temas da Força e a velha luta entre o Bem e o Mal, voltamos a um curta que é o único da temporada que lembra a primeira temporada da série, apesar de ter cenas de ação não tão exageradas. Com traçados de anime e produzido pelo Studio Mir, responsável por A Lenda de Korra, Harley Quinn e Dota: Dragon’s Blood, Jornada à Cabeça Sombria nos leva aos tempos da primeira guerra entre os Jedi e os Sith.
Nele, uma monja adolescente chamada Ara acredita que as estátuas em seu planeta natal, cujas pedras possuem habilidades preditivas, controlam os lados luminoso e o sombrio, uma vez que uma possui uma luz azul e a outra vermelha. Ela decide destruir a cabeça sombria acreditando que pode mudar o rumo da guerra. Anos depois, Ara pede ajuda ao Conselho Jedi em sua missão.
O Conselho envia Toul para ajudá-la, um jovem Padawan que recentemente perdeu seu mestre numa batalha contra um Sith, o Lorde Bichan, o deixando traumatizado. Toul e Ara reúnem suprimentos e vão ao planeta, mas são perseguidos pelo Lorde Sith Bichan. Lá, Toul e Bichan duelam e Ara chega à realização que tanto a luz quanto a escuridão flui entre as estátuas, tornando-as impossível de destruir. Toul consegue superar seu medo e, com a ajuda de Ara, consegue derrotar Bichan. Ao final, os dois decidem continuar viajando juntos.
O estúdio cria uma atmosfera com visuais incríveis e de tirar o fôlego, utilizando paisagens e elementos arquitetônicos da Corea do Sul, país do Studio Mir, além de usar temática asiáticas, como o Yin-yang, para contar sua história sobre o lado da luz e lado sombrio.
A Dançarina Espiã
Para o sexto episódio, Visions nos leva a uma produção francesa do Studio La Cachette, responsável pela série Primal, do Genndy Tartakovsky (Clone Wars), com uma narrativa que novamente nos traz ao tema de pais e filhos.
Em A Dançarina Espiã, em um planeta habitado por uma espécie com chifres e que possui heterocromia, é contada a história de Loi’e, uma dançarina em um cabaré 20 anos após a formação do Império. Secretamente, Loi’e lidera uma facção da Aliança Rebelde que consiste no resto de sua equipe, e ela costuma colocar rastreadores nas armaduras dos Stormtroopers durante suas performances de dança. Uma noite, ela revê um homem familiar e é revelado que, vinte anos antes, um oficial do Império levou seu filho de seus braços.
Apesar dos apelos de seus colegas, ela planeja matar o oficial, apenas para descobrir que aquele homem na verdade é seu filho, agora adulto e integrado ao Império. Enquanto seus aliados lutam contra os soldados, Loi’e leva o oficial ao telhado e prova que ele é seu filho, o deixando confuso. Enquanto consegue fugir, ela revela que deixou com ele uma holoprojeção dele quando criança, que possui um rastreador. O oficial olha o holograma e esconde seus chifres cortados.
O estúdio usa como inspiração a resistência da França durante a Segunda Guerra Mundial, utilizando o bairro de Montmartre, no norte de Paris, como base para o planeta da história. Esse bairro se tornou famoso por reunir nazistas, que procuravam os cabarés do lugar para se divertir e, com isso, atraía a atenção de combatentes para conseguir informações. Para a protagonista Loi’e, a inspiração foi Mata Hari e Josephine Baker, que usava seu status de celebridade e liberdade para viajar para entregar documentos e informações para a Resistência e Aliados.
Os Bandidos de Golak
Saímos da Europa para à Índia, a casa do estúdio 88 Pictures. Os Bandidos de Golak, uma animação 3D que incorpora no design dos personagens, suas roupas e no ambiente detalhes da cultura indiana, continua a pegada familiar, de saber quando deixar uma pessoa ir para que esta siga seu próprio caminho.
Durante o período do Império, Charuk e Rani são dois irmãos que são forçados a fugir de seu lar e ir para a cidade de Golak em busca de refúgio. Rani está sendo perseguida por ser sensitiva à Força, o que Charuk desesperadamente tenta esconder, mas em vão. Após Rani usar a Força em um trem, ela e o irmão quase são pegos pelo Império, escapando por pouco.
Eles chegam a um pequeno oásis comandado por uma senhora chamada Rugal. Entretanto, um Inquisidor (que tem um dos designs mais legais de toda a série) chega no local, sabendo de Rani e o incidente no trem. Após forçar os irmãos a se exporem, o Inquisidor tenta matá-los, mas Rugal – que é revelada como uma Jedi que escapou da Ordem 66 – cria uma confusão no local, dando a oportunidade de todos evacuarem, e derrota o Inquisidor numa luta.
Após isso, Rugal diz a Rani que ela tem que ir com ela num túnel para se esconder com outros sensitivos, mas precisa ir sozinha. Os irmãos têm uma triste despedida, e Rani deixa uma flauta, que pertenceu ao pai, para Charuk.
O Poço
Uma colaboração entre a Lucasfilm, através de seu pupilo LeAndre Thomas, e do estúdio japonês D’Art Shtajio, O Poço aborda assuntos complicados, como a escravidão e o olhar cego da sociedade sobre a origem da riqueza. Enquanto uns descem cada vez mais, outros sobem à custa daqueles que perdem.
No curta, um grande número de pessoas escravizadas é forçado a cavar um grande buraco no meio do deserto em busca de cristais kyber, que os Stormtroopers usam para construir uma cidade próxima. Após anos de escavação, eles chegam ao fundo do poço, e os Stormtrroopers o abandonam lá. Um deles, Crux, conta à pequena Livy que ele irá escapar o poço e pedir ajuda na cidade próxima.
Ele consegue chamar a atenção dos cidadãos na cidade limpa e futurista, mas os Stormtroopers o capturam e o levam de volta ao poço, jogando-o para sua morte. Livy inspira todos a gritar “siga a luz”, que alerta o povo da cidade para acha-los. Os cidadãos conseguem derrotar os stormtrroopers e resgatar as pessoas. Ao deixar o lugar para trás, é revelado que Livy levou consigo um cristal kyber que responde a ela, revelando que ela é sensitiva à Força.
A canção de Aau
Um favorito pessoal, A Canção de Aau é mais uma animação em 3D que simula stop-motion. De forma a dar um visual táctil, o estúdio sul-africano Triggerfish deu aos personagens uma textura de costura. A narrativa nos traz de volta àquele tema abordado em Os Bandidos de Golak, onde você precisa deixar uma pessoa ir embora para seguir sua própria viagem.
Nele, muitos anos antes dos filmes, após os Sith serem derrotados, as pessoas do mundo montanhoso de Korba trabalham na mineração de cristais kyber, para que os Jedi possam purifica-los após os Sith terem sangrado todos os cristais. Uma jovem nativa, Aau, tem uma conexão com os cristais quando ela canta. Seu pai, Abat, está tentando achar um jeito de ajudar a Jedi Kratu a purificar os cristais, mas diz a Aau que sua cantoria é perigosa.
Enquanto está seu pai está nas minas, Aau descobre uma entrada para a caverna e encontra um grande depósito de cristais. Ao sentir a conexão, ela começa a cantar, mas seu pai a interrompe, o que causa uma reação violenta nos cristais. Kratu tenta salvá-los, mas Aau percebe o que precisa fazer e começa a cantar novamente, finalmente purificando os cristais. Kratu revela que Aau precisa ir com ela para seguir o seu destino. Após algumas semanas, ela se despede do pai e segue sua nova jornada.
Uma história fofa que encerra a temporada de uma maneira mágica e esperançosa.
Uma temporada que beira a perfeição
Com isso, se encerra o Volume 2 de Star Wars Visions. Se a primeira temporada teve uma maior criatividade quando se fala em visão sobre a saga, em termos de onde você pode ir para redefinir o que é Star Wars aos seus olhos, a segunda temporada traz narrativas mais condizentes com o tom encontrado em histórias dos filmes e animações. Não há uma história que você não consiga encaixar no cânone, diferente do primeiro volume.
Aqui, os estúdios focam em narrativas mais pé no chão, mas que carregam consigo temas fortes e complexos, como o colonialismo, a opressão social, trabalho infantil e escravidão, entre outros. Cada curta possui seu próprio estilo, se inspirando nas culturas de onde os estúdios são, trazendo uma pluralidade de identidades para o segundo volume da série.
Assim, Star Wars Visions retorna depois de pouco menos de 2 anos após sua primeira temporada, com um conjunto de episódios que contam histórias fascinantes, beirando a uma temporada perfeita. Fica-se a expectativa pelo anúncio da terceira temporada, que deve seguir o mesmo caminho plural do segundo volume, com estúdios de diferentes nacionalidades assinando cada episódio e, também, fica-se a torcida para que um estúdio tupiniquim esteja presente no futuro.