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As Ruas de Mos Espa

Com um título extremamente urbano e conivente com a proposta da série, iniciamos o episódio com uma questão que irá aterrorizar o fã de Star Wars que acha que a saga não tem nada a ver com política: o androide protocolar 8D8 explica para Boba Fett e Fennec um pouco da Geopolítica de Tatooine, em especial de Mos Espa, detalhando quais partes da cidadela está nos domínios de alguma raça e quais são seus domínios e especialidades. A conversa é interrompida pela presença de um “condômino” que traz sua insatisfação. O cidadão Lortha Peel (interpretado por Stepehn Root) traz uma realidade que vem responder a inúmeras indagações das pessoas que estão acompanhando a série.

“Você não tem respeito” é uma frase proferida que vem responder diretamente a qualquer pessoa que ainda não entendeu a proposta da série insiste em querer trazer de volta o Boba Fett em seu passado pré-Sarlacc. Se hoje temos uma série “family friend” com Boba Fett, algo que jamais imaginaria que ocorreria há 2 ou 3 anos, eu tenho que aceitar que o “rebrand” promovido no personagem faz sentido em manter a Boba a atribuição de “cultuado por um belo visual” para uma espécie de compreensão que seu passado glorioso não foi apagado e agora tenta reescrever seu futuro como Daimyo para descansar dos problemas. Embora a idade do personagem beira a meia idade, passando dos 40 anos, é a idade do ator que traz as marcas das amarguras da vida em seus 60 e poucos anos.

O que queremos acentuar aqui é uma coleção de decepções que o personagem tem levado para seu leito de bacta nas memórias que ainda o atordoam: as perdas ainda o atormentam e elas não param de acontecer, são perdas que renovam a cada ciclo.

O protagonista perdeu seu pai/progenitor na arena de Geonosis, perdeu seu grupo instrutor de caçadores de recompensa, perdeu seu empregador máximo com o fim da era Jabba e em seu recomeço na vida perdeu a tribo que o acolheu e o fez crescer com a vontade de viver depois de uma morte certa. É compreensível que o personagem queira uma vida nova, mas cabe aqui algumas pontuações observadas neste terceiro episódio que fragilizam um pouco a compreensão de sua motivação.

O tempo das memórias

Nos dois primeiros episódios da série, tivemos um balanço de tempo presente e tempo passado. É bem parecido com a estrutura de outra série adaptada: The Witcher, onde embora confuso com os tempos que avançam e retrocedem, mas a certeza dos dois protagonistas, Gerald e Ciri ajudam a entender que o que os personagens querem vai além das forças sobrenaturais que parecem querer impedir o encontro dos elos que a série tanto dá importância. Em O Livro de Boba Fett a sua motivação ainda é incerta porque o personagem está renascendo, e embora ele queira governar com respeito, retornar a uma cidade que mudou completamente desde seu sumiço, é não entender o tempo que passou.

A mesma incompreensão fica do lado de cá da tela quando pessoas cobram que o personagem carregue o nível de “porralouquice” que tornou a fama dele maior do que suas ambições nessa nova fase da vida.

O segundo episódio é a prova viva de que, com menor tempo na atualidade e a maior parte de tempo destinado à conquista de um espaço em uma tribo de selvagens, o retorno do indivíduo do campo para metrópole implica em esperar que a poeira baixe para enxergar com mais profundidade o contexto que rege as políticas daquele ambiente. Mais uma vez a política está aqui para incomodar os negacionistas de que viver é ser político, seja aonde for, até no espaço.

No terceiro episódio, o tempo de memória é curto e cumpre bem o objetivo que é presente e passado convergir para a mesma fonte dos problemas: Os Pykes.

A gangue das lambretas versus Kintan Striders

Ao ser subornado Lortha Peel a se livrar de uma gangue metade humana e metade máquina, o que Boba encontra ao se deparar com os bandidos é algo que contrasta com o que o comerciante de umidificador afirmou. Ele viu na gangue a chance de transformar a força que vem contra, a favor e assim recruta para si todos membros. É como se ele, reconhecendo sua idade avançada, achasse o grupo ideal de pessoas que traduziriam a realidade do mundo que ele voltou a habitar.

Aqui vale uma observação importante de contextualização. Se por um lado, a gangue de Moto Clube com Nikitos (Kintan Striders) e Speedbikers representam a rebeldia de pessoas fora da lei e saqueadores, esse grupo mais jovem que Boba encontrou é uma representação da gangue que peitou os motociclistas brigões.

O que Robert Rodriguez faz aqui foi trazer a lendária rivalidade entre Rockers e Mods, que culminou na lendária briga de gangues em Brighton na Inglaterra.

Os Mods foram o primórdio dos Skinheads, gangue da juventude proletária londrina que adotou coturnos, suspensórios e cabeça raspara. Shane Meadows fez um excelente filme sobre a gangue chamado This is England (2006).

Mas o embrião dos Skinheads, os Mods, eram uma gangue diferente. Sua cultura estava baseada em moda de blazers alinhados e lambretas repletas de acessórios como lanternas e espelhos. O filme que melhor retrata a treta histórica entre Rockers e Mods é o musical da banda The Who intitulado Quadrophenia (1979), de Franc Roddam.

Ainda no mundo geek, Dave Gibbons, o desenhista da obra máxima de Alan Moore, Watchmen, criou uma graphic novel chamada The Originals, que retrata de maneira futurística a mesma lendária treta em Brighton entre os motociclistas e pilotos de scooter. Essa recomendo com louvor.

Retornando ao episódio, voltamos na memória de Boba se descuidar do povo da areia para cobrar os Pykes que, ao retornar ao seu lar, se depara com a realidade que os Kintan Striders já estavam praticando na população de Tatooine, seu novo lar foi dizimado pelos foras da lei. A sequência a seguir, é um personagem frágil que junta pilhas daqueles que o acolheram e fizeram parte de seu ritual de renascimento. Não há palavras, apenas a carga dramática de um rosto pesado pelas consequências de suas escolhas que o afetaram de forma coletiva.

Sonho Interrompido

De forma brilhante, os sonhos que Boba tem em sua câmara de bacta é interrompida de maneira pungente pelo Krrsantan Negro que cumpre a promessa dos Hutts: é na calada da noite que a máfia ataca. Quando em O Poderoso Chefão se diz que tal personagem dorme com os peixes, é na mesma calada da noite que foi surpreendido. O gigantesco Wookie não dá espaços para que o protagonista alcance seu arsenal, pois já se conhecem o suficiente. Rapidamente os scooterboys vão até a sala para defender o novo patrão. A ação de luta caminha até as escadarias em que Krrsantan se lança nas escadas subjugando os dois gamorreanos ao mesmo tempo. Fennec chega como a salvação para arremessá-lo ao covil do Rancor e mais uma vez salvar o dia. Tempos depois, o que vemos são os Hutts gêmeos chegando na porta de seu palácio para se desculparem e assumirem terem sido deixados pra trás nas negociações. O prefeito Mok Shaiz está de aliança com os Pykes, rasgando assim o véu que permeava os três episódios.

Como pedido de desculpas, os gêmeos trazem um Rancor como presente e deixam para que Boba, em sua benevolência, liberte seu cativo Krrsantan Negro, deixando nosso carinho pelo personagem em aberto para suas futuras participações.

Já no covil, Boba e o capataz de Rancor interpretado pelo eterno parceiro de Robert Rodriguez, Danny Trejo, nos faz já imaginar o anseio do Boba em domar a fera. Mas até lá, veremos essas cenas de Boba Fett, pai de Pet na criação dos laços entre o dono.

A fragilidade

Os momentos seguintes talvez sejam os de maior fragilidade do episódio.

Boba, Fennec e os scooterboys vão até a prefeitura para cobrar de Mok Shaiz sobre seu posicionamento com os Pykes e começa uma perseguição com um timing pouco atraente. Em nossa primeira análise sobre o episódio que Rodriguez dirigiu, salientamos que a sequência dos escudos era antiquada, pois enquanto nossos olhares se acostumaram com uma escolha de planos de câmera e montagem de forma dinâmica, algo que herdamos do cinema oriental e da era MTV que influencia o cinema, Rodriguez parece querer fugir dessa tendência e vertente para dirigir e montar sem muita dinâmica. O que temos a partir disso é um estranhamento do olhar que segue recusando pelo público que sentiu desconforto na falta de ritmo.

Alguns momentos preciosos dessa sonolenta perseguição tornam o momento menos incômodo, como a travessia de um dos pilotos por um quadro de arte conceitual de Ralph McQuarrie ou até mesmo a colisão do Majordomo que nos remete às fatídicas colisões de Biff em cargas de esterco em De Volta para o Futuro abrilhantam nossa memória e faz com que Majordomo revele aos Pykes como principais inimigos da chegada de Boba Fett ao poder.

No castelo, Fennec e Boba recebem de seu informante a chegada de mais pykes em Tatooine, que alertado por Fennec, a guerra está para começar.

Um dos pontos fracos deste terceiro episódio, que mesmo com problemas de ritmo, fazem a trama avançar, está no fato de que os episódios que Robert Rodriguez dirige cercam o ponto alto da série até o momento. De um primeiro episódio sem muitas surpresas, o segundo episódio elevou nossas expectativas e faz com que a chegada deste terceiro se torne apático e desacelere a carga de situações que o segundo nos eleva. Como Rodriguez, além de dirigir, é o showrunner da série fica a dúvida se ele sacrifica aos próprios episódios do que queira interferir nos que seus diretores convidados contribuíram. Essa noção pode nos soar mais claro nos próximos episódios em que ainda teremos a direção de Kevin Tancharoen, que por anos dirigia Ming-Na Wen em Agentes da Shield. Seria aí a chance de um episódio debruçado na assassina que anda quieta por muito tempo?

Ou podemos ter Bryce Dallas Howard que comandou muito bem seus episódios na primeira e segunda temporada de The Mandalorian. O que os vazamentos na internet parecem revelar é que Filoni está com a direção do sexto episódio e finalmente a season finale está de volta nas mãos de Rodriguez.

Algumas questões abertas pelo terceiro episódio parecem transformar o episódio inteiro numa espécie de capítulo de transição. A dosagem de revelações e questões para se resolver do tempo presente fincam aqui uma necessidade de um dinamismo maior para o quarto episódio. Pairam também algumas dúvidas, como o peso dos Pykes para o fã casual. Será que vai colar para o expectador de que Pykes sejam ameaça? Ou poderemos ter a revelação de um interesse maior em povoar Tattooine de cidadãos de Oba Diah, que já notamos uma presença muito forte em outros planetas como Kessel. A geopolítica chega firme na saga e, com a chegada da metade da saga, a engrenagem que move Boba Fett e suas motivações precisam de pontuações do protagonista. Continuemos na espera das ações do Boba, que está mais na observação, à medida que Fennec com certeza já teria agido há muito tempo.

Vebis Jr

Professor/produtor/pesquisador/podcaster em Cinema. Velho anarco punk rocker! https://twitter.com/Vebisjunior