A hora e a vez do elenco: review do episódio 3 de Disney Galley: The Mandalorian
No terceiro episódio de Disney Gallery sobra a série The Mandalorian, o tema é o casting, termo comum usado no meio cinematográfico para saber um pouco mais sobre o elenco. É bem capaz que alguns já tenham lido o termo “Star System” quando se fala de Hollywood. Este “apelido” foi destinado à indústria de artes cinematográficas de Hollywood devido ao fato de que quando um filme é anunciado, o que causa burburinho no mundo sempre é por conta do elenco escolhido. Há vezes que o diretor é escolhido por último até, mas o nome dos atores é o que causa impacto inicial, justamente por conta das estrelas escolhidas: Star System. Há um filme do gênio David Cronenberg que retrata isso de maneira incrível: Mapas para as Estrelas (2014).
Todos capítulos destes documentários foram gravados numa tacada só com pautas seguidas que desdobram para edições segmentadas nos capítulos que estamos vendo. E nitidamente vemos duas reuniões de mesa que geraram este documentário: John Favreau com a equipe técnica e Favreau com o elenco. O terceiro episódio esbanja humanidade por parte do elenco que mostra um pouco de feição criada pelos personagens e histórias a serem contadas. Carl Wheaters, nosso querido e eterno Apollo Creed, aqui é Greef Karga. No documentário é interessante quando ele cita que ao ler o roteiro, chamou atenção a figura misteriosa que compõe o Mandaloriano. Logo, é lembrado na mesa que desde Boba Fett, os cuidados estéticos era para que parecesse um pistoleiro com o poncho pendurado, fazendo referência com os personagens de Clint Eastwood nos filmes de faroeste spaghetti de Sergio Leone ou do filme O Estranho sem Nome (1973): o chapéu que cobria os olhos, um sujeito de poucas falas e tiro certeiro.
Não à toa, quando George Lucas fez seu primeiro filme da franquia em 1977, faroeste e samurais era a principal fórmula de identificação visual nos planos. Aqui, o faroeste novamente fica presente quando olhamos as planícies e o samurai nós lembramos que o mangá Lobo Solitário é só apenas uma referência a mais.
Embora não falem muito no episódio, ao analisarmos de perto os episódios da série, o fato do protagonista usar o elmo em quase toda a temporada nos impede de que tenhamos as nuances necessárias para entender o clima que o personagem quer passar. Temos aí o apoio da dublagem que uma voz pode trazer para as emoções e da linguagem cinematográfica que dinamiza as gravações dos planos fechados no rosto do Mandaloriano. Se não existe expressões faciais, ficamos ao encargo dos tons de voz e de como a câmera se movimenta para capturar os gestos do protagonista. Veja por exemplo quando ele assume que mandalorianos são um credo. A câmera se aproxima num movimento que parece um zoom no rosto, o que evidencia num momento de revelação.
O primeiro a ser o foco das atenções é o protagonista Pedro Pascal que comenta como foi difícil achar um tom de uma presença física a ponto de que o corpo falasse. E pensem, esse jeito próprio do protagonista deve ser alinhado com seus dois dublês de corpo para cenas de ação na qual Pascal é muito grato: Brendan Wayne, que cuida das cenas de pistoleiro, o dublê surge com seu depoimento com sotaque e visual extremamente texano, e o dublê de cenas de ação Lateef, um exímio lutador de artes marciais como Jiu Jitsu, capoeira, entre outras artes corporais que o permitem mobilizar-se com todo aquele traje.
A ironia de Pascal ficou por conta de que embora tenha atuado recentemente em muitos filmes de ação, como Operação Fronteira (2019), O Protetor 2 (2018) e Kingsman: O Reino Dourado (2017), foi sair distraído do trailer da produção de The Mandalorian e caiu de face no chão a ponto de levar pontos no nariz.
Ainda sobre o peso do tom de voz, somos contemplados com o momento da dublagem. Sabemos que poucos filmes usam o que chamamos no cinema de “som direto” – técnica de manter o silêncio no set para que os diálogos gravados sejam levados à versão final do filme – e que a maioria dos longas passam por grandes problemas de captação de áudio, o que torna mais viável a dublagem e a inserção de áudios ambientes na pós-produção. Até mesmo eu quando rodei um curta-metragem numa via expressa não pude usar o som direto e tive de convocar os atores a dublarem suas falas num estúdio. Para isso, contei com a ajuda de um diretor de atores para dublagem no meu curta-metragem Das Faces e Sombras (2007), no momento que dois personagens se encontram casualmente na rua, ou no momento que o protagonista leva a garota para casa em um jipe.
O próximo momento do documentário é de Gina Carano. Quem olha a ex-lutadora de MMA, nem imagina a doçura que é a atriz, que em sua humildade, assume dificuldades da atuação na qual foi ajudada por Carl Wheaters para superar momentos difíceis. A atriz entrou no mundo do cinema por intermédio do diretor Steven Soderbergh, que mesmo estando no mainstream, ainda ousa alguns filmes experimentais como foi o caso de chamar a atriz pornô Sasha Grey para protagonizar o filme Confissões de uma Garota de Programa (2009) e Gina Carano para A Toda Prova (2011). Carano dificilmente usa dublês em sua cena. No momento em que arrasta o Mandaloriano no último episódio desta season 1, ela o levanta com todo peso do figurino trazendo até depoimentos de assistentes de diretores que falavam impressionados dos atos físicos da atriz. Quando Favreau ou Dave Filoni falavam das artes conceituais da personagem Kara Dune, disseram que já viam nela a performance e presença da imagem e os elogios se estendem até nos momentos das cenas de ação que a atriz desenvolvia com muita propriedade.
Aos amantes do cinema, Favreau comenta com propriedade que a geração de diretores da Nova Hollywood, que conhecemos como baby boomers, bebia das essências de filmes de guerra e que, por este motivo, seus filmes contavam com atores que realmente viviam o ofício. Exemplificando que John Wayne atuou para muitos filmes de western e que ele não atuava subir no cavalo, pois ele sabia mesmo como vivia um vaqueiro, desde que voltou da guerra. Quando não estava num set de filmagem, estava cuidando do rancho lançando, montando e atirando, motivos estes que dão um toque de verdade no papel. Assim que o corpo de produtores enxergam a importância de Gina Carano no elenco. Kathleen Kennedy, o que muitos fãs de Star Wars atribuem à ela uma figura de vilã, é a produtora de The Mandalorian.
Um dos momentos ricos é quando Favreau cita que George Lucas é baby boomer e bebeu da essência de filmes do pós-guerra. Os filmes de cowboys eram atores que sabiam montar, laçar e atirar; isso dá veracidade ao papel.
Este documentário inclusive tem trabalhado muito em opiniões da Kath Kennedy, que são extremamente importantes. Não sei se isso é pra limpar a imagem dela com o fandom agressivo que a condena pelos caminhos dos filmes numerais (Episódios VII, VIII e IX), mas a produtora foi pontual sobre a presença da silhueta das personagens femininas. Gina rasga elogios a Carl, que com certeza foi a torre de sabedoria pra ela em sua atuação e ver essa inimidade dos atores é apenas mais um fator que pesa a favor de uma obra como The Mandalorian.
A última parte do documentário se destina ao veterano do projeto: Carl Wheaters, que também é famoso por ter atuado no primeiro filme da franquia do Predador (1987) ao lado de Arnold Schwazenegger. E embora seja um ator estigmatizado positivamente pelo seu papel nos filmes do Rocky Balboa, é um ator carismático que consegue reverter situações que possam vir contra ele, mesmo que não precise ser mais incisivo. Na mesa das entrevistas, John Favreau comenta que o papel de Greef Karga. O destino do personagem era morrer logo no primeiro episódio para assim retornar nos próximos com o corpo repleto de próteses robóticas. Sabemos que raramente Hollywood paga atores famosos para ficar com o rosto encoberto e, neste caso, o rumo do personagem mudou sem qualquer tipo de intervenção do ator ou seus agentes. Apenas a sua figura maestral no set de filmagem e sua atuação memorável trouxe a certeza de manter o personagem intacto. E o ator esbanja conhecimento e prospecção quando diz que seu personagem parece ter sido um misto de personagens dos filmes de John Huston e Orson Welles, dois excelentes diretores da história do cinema.
O documentário só não é o mais humano e excelente desta sequência, pois a esperança de muitos era ver algum tipo de depoimento do diretor Werner Herzog (de aclamados filmes como Aguirre, a Cólera dos Deuses, 1972; ou Fitzcarraldo, 1982, rodado parcialmente aqui no Brasil, inclusive), que atuou na pele do Cliente e que muitos não esperavam vê-lo atuar numa obra do segmento fantasioso. As palvras que temos de Herzog eram destinados à equipe, à obra e, claro, suas broncas por terem trocado o animatronic de Baby Yoda pela computação gráfica nas edições finais da série.
Caro, Herzog: nós, fãs de Star Wars, te entendemos nessa preferência por animatronics, e como te entendemos.
Por Prof.º Me. Vebis Jr
Mestre em Cinema
Especialista em Comunicação
Graduado em Audiovisual e Multimídia
Revisado por Alexandre Agassi
Jornalista e amante da sétima arte