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O documentário sobre The Mandalorian e o núcleo de direção da série

Quem acompanha o site da Sociedade Jedi sabe o quanto fomos nos empolgando com a série The Mandalorian. Seja pelos criadores John Faveau e Dave Filoni, ou quando revelavam os nomes no elenco (Werner Herzog é uma pérola aos cinéfilos de plantão), diretores (uma equipe incrível de diretores que já nos chamava atenção por outras obras que se envolveram e fizeram a diferença) e até mesmo sobre a tecnologia digital de produção ou trilha sonora do Göransson.

Foi um deleite aguardar a cada semana os capítulos de algo novo que soava como velho, as descobertas e conexões. E agora, mal recuperados com o final de The Clone Wars, fomos agraciados com um belíssimo documentário sobre a série que nos surpreendeu no final do ano.

Filoni, Favreau e o ator Werner Herzog

O documentário Disney Gallery: The Mandalorian é separado por temas. Muitas vezes que acessamos making of de filmes, na maioria das vezes ele é feito aos leigos de cinema, para entenderem alguns processos da produção e pós produção, neste caso, quando necessita a inserção de visual FX, o que foi nosso caso em todos os making of de Star Wars. Entretanto, por algum motivo, alguns making of são dirigidos como uma espécie de diário de bordo e aí sim a parada se torna interessante. Um exemplo disso é o que o diretor brasileiro Fernando Meirelles faz em seus filmes. Desde o nascimento dos blogs, ele cria sempre um como relatório circunstancial da produção e tive o prazer de ver isso em seus filmes Cidade de Deus (2002), Jardineiro Fiel (2005) e o hit Ensaio Sobre a Cegueira (2008). Ali sim a gente aprende bastante quantas adaptações o cinema industrial pode sofrer e quais adaptações são necessárias.

O documentário abre com uma cena de direção de pilotagem de nave com Filoni dirigindo os atos de Pedro Pascal e aí mostra a mesa de reunião de Favreau com o recém nominado a dirigir um Star Wars, Taika Waititi, o já conhecido Filoni (esse é de casa, esse você confia) Rick Fumuywa, Bryce Dallas Howard (essa por ser filha de Ron Howard e atriz, cresceu no meio) e uma das melhores direções de shows de TV, Debora Chow. Uma mesa na qual se assumiu que todos ali amam a saga e fariam com gosto o papel de direção.

Há muito tempo o nosso fandon cobra da Lucasfilm colocar Filoni como o diretor de algum live-action e aqui o documentário retrata bem o quanto Filoni esteve presente não apenas nos que ele dirigiu, mas fixamente como asistente de diretor e como todo co-produtor que fica no set. Aos que nunca estiveram num set de filmagem, talvez não saibam como é empolgante entrar num set montado. Eu me lembro como era estar no set de um dos meus mentores de cinema quando fui assistente de um longa e até mesmo quando estive nos sets dos meus prórprios curtas ou video-clipes. Quando você pode chegar até o set, não faz ideia de quantos leões ficaram pelo caminho mortos para que aquela obra pudesse ser realizada. E quando tudo ocorre bem, a forma como se conversa num set, seria uma aula de semiótica, de como as palavras se transformam em símbolos, de como não cansar os atores escolhendo falar de imagens e outros filmes ao invés de trazê-los ao texto. A sobrecarga sensorial que se sente num set é amenizada, e tudo que pode ser um peso contra se torna a favor quando podemos ser imagéticos. Favreau descreve a cena dos capacetes fincados em lança como a memória de um trecho de Apocalipse Now (1979), de Francis Ford Coppola. Ou até quando Filoni comenta da alegria de ser chamado pra fazer uma obra de Star Wars que ele era muito fã. Geralmente ninguém acredita. Vi esse formato de bate-papo de mesa nos extras de Solo – Uma História Star Wars (2018) e mesmo sendo um filme spin-off, todos ali falavam maravilhados de estarem numa obra que faz parte do universo Star Wars.

Dave Filoni no set

E a gente sente que Filoni é o cara quando conta aos companheiros da equipe de direção que George Lucas fez, como Toshiro Mifune (ator comum nos filmes de Akira Kurosawa), e colocou na mesa como ele trabalharia nas animações. E claro, sabemos que foi contratado e lá estão os outros membros da produção, desde outros diretores como atores validando o quanto Filoni entende de qualquer coisa de Star Wars como também segue o legado da mentoria de George Lucas. Porém, julgo ser melhor que George Lucas pelo simples fato que Filoni é a gestação de um diretor em potencial enquanto que George aceitou dirigir seu filme em 1977 porque não achou outro louco que aceitasse comandar aquela ousadia em pleno Anos 70, logo George que sempre se assumia melhor editor do que diretor.

Debora Chow no set

Debora Chow é a segunda a ser tratada no documentário como uma pessoa extremamente organizada desde seus trabalhos em Mr Robot (2015 – 2019). Chow mostra particulartidade com o consumo de material de Universo Expandido e mostrou disciplina com planos de direção para Favreau, pois sabia que o tempo que teria para dirigir seria pouco. Fala em como ser a primeira série live-action, se tem liberdades para caprichar quando todos pensam da mesma maneira.

Rick Famuyiwa no set

Rick Famuyiwa, para quem conhece de sua filmografia, sabe o quanto ele tem uma participação do cinema negro e com visão sobre etnias e violências, seria uma presença necessária ao retratar tanta hostilidade no mundo que cerca. Tal qual os primeiros making of que vimos de J.J. Abrams em O Despertar da Força (2015) em que diz que se sentia num set de Star Wars ao ver X-Wings e Falcons em escalas reais, o Rick fala do quanto se sentiu em Star Wars quando um Sandcrawler atravessa o set. Em especial, o episódio 6 que dirigiu era menos criaturas digitais e mais atores. Para um diretor ter estas duas experiências é recompensadora. O segundo ainda estava mostrando o personagem; quanto ao sexto era um filme de assalto e incursão entre bandidos. E com certeza foi um belo laboratório. Basta ver nosso texto de análise onde se levantam todas influências que o cinema trouxe ao diretor e por consequência ao capítulo.

Bryce Dallas Howard, filha de Ron Howard, no set

Bryce Dallas Howard mostra o quanto o pai a arrastava desde pequena para grandes eventos de cinema onde um jantar com George Lucas e Akira Kurosawa era algo comum para a realidade da pequena estrela. Favreau lembra que este episódio foi o mais desafiador pelo fato de ter muitas variantes a serem dirigidas, seja pessoas, seja aliens, sejam robôs, além dos diferentes sets ao ar livre. E claro que quem nasce com o sangue destinado pro cinema, daria conta. Momento tocante de quando cita que é como as pessoas merecem Star Wars, onde inclui na frase desde espectadores, mas todos envolvidos no projeto.

Taika Waititi durante a gravação do documentário

Taika Waititi é um caso interessante pra analisarmos. Como Favreau comenta, ele chegou na mesa de The Mandalorian como o mais experiente da turma e na sua humildade relemba como foi crescer como roteirista de stand-up e galgar o caminho do que muitos realizadores iniciantes fazem: transformar precariedade em elemento de criação. Relembra a diferença da pegada de O Que Fazemos nas Sombras (2014) até chegar em Thor Ragnarok (2017) e complementa como qualquer profissional de cinema no mundo que dirigir propagandas ainda é o melhor laboratório para avanços tecnlógicos e estéticos.

Além de um profissional incrível, Taika jamais abandona sua natureza sarrista onde até mesmo neste documentário teve a liberdade de fazer uma falsa narração contrariando as imagens que cobria o testemunho com palhaçadas em slow-motion.

NE: Quando meu patrão foi cobrir o Globo de Ouro neste ano, existe uma ala da imprensa que profissionais de TV ficam um pouco mais perto das estrelas de Hollywood e quando Taika chegou para fazer fotos com os entrevistadores, nunca se permitiu uma foto séria com ninguém, em todas ele cometia alguma palhaçada inesperada, confirmando que o bom humor impera naquela mente brilhante que conseguiu que o Thor fosse o protagonista de seu próprio filme apenas na terceira edição.

Ao que tudo indica, serão documentários para TV que o canal da Disney+ está investindo e assim teremos mais materiais acerca da prospecção entorno das obras originais que a Saga tem passado. Sorte nossa que podemos em plenos 2020 sentir o gostinho de mentes criadoras que reinventam a série.

Vebis Jr

Professor/produtor/pesquisador/podcaster em Cinema. Velho anarco punk rocker! https://twitter.com/Vebisjunior