O processo criativo e os planos da Lucasfilm
Depois de O Despertar da Força, os fãs estavam certos de que a Lucasfilm tinha cada detalhe do universo Star Wars planejado e que seus escritores só eram meras extensões do Grupo de História. A primeira vez que essa visão foi seriamente comprometida foi quando Rian Johnson disse no Twitter que a Lucasfilm tinha lhe dado completa liberdade criativa, e que não havia uma história mapeada pra depois de O Despertar da Força. Para uma boa parte do fandom, Os Últimos Jedi pareceu confirmar isso mais ainda e aí o jogo virou – agora muita gente acredita que a Lucasfilm dá as histórias para os escritores individuais fazerem o que quiser com elas. Por causa disso, o interesse dos fãs em especular diminuiu drasticamente.
Mesmo assim, todos sabemos que seria impossível planejar filmes e seriados para a próxima década sem uma boa ideia de onde a história está seguindo. Então, como um planejamento a longo prazo pôde coexistir com a liberdade criativa que Johnson disse ter?
Nenhum plano?
A chave para entender os planos da Lucasfilm e seu processo criativo é entender que não há uma história mapeada para depois de O Despertar da Força, o que não impossibilita uma história mapeada dos acontecimentos antes da Trilogia Sequel.
“Muita coisa veio… enquanto o Episódio VII realmente… quando O Despertar da Força realmente tomou forma e nós entendemos onde esses personagens iriam estar – numa recuada da história fora do Grupo de História da Lucasfilm. Nós percebemos, okay, agora sabemos onde o [Episódio] VII começa, e nós sabemos onde o VI termina, então vamos começar a mapear a trajetória de vida desses personagens em grandes acontecimentos e então nós podemos entender onde eles estavam e o que eles queriam. E o desenvolvimento de Han em responder a questão, “como um Han aposentado pareceria?” sabendo que ele vai terminar voltando a ser o contrabandista que nós sabemos e reconhecemos na trilogia original – mas tipo, não é que ele tá fazendo isso por 30 anos. Então como um Han aposentado se parece? O que ele iria querer fazer? Nós meio que chegamos nessa ideia e é uma ideia que vai aparecer em outras histórias que acontecem entre o[s episódios] VI e VII. São coisas como essa que a gente vai poder minar completamente mais do que só uma frase colocada como uma deixa no Dicionário Visual.” – Pablo Hidalgo
Então, Rian Johnson não está contradizendo o que Pablo disse acima, já que o Grupo de História mapeou os grandes acontecimentos dos personagens entre O Retorno de Jedi e a Trilogia Sequel e baseado nisso decidiram que o tempo entre um episódio e outro seria de 30 anos. Isso é reforçado com Daisy confirmando que o passado de Rey já estava decidido:
“O passado [de Rey] não é flexível. Eu sei qual é, e isso não mudou. Sempre foi o mesmo.” – Daisy Ridley em 2016, logo após as gravações de Os Últimos Jedi
E mesmo que a Lucasfilm não tivesse esses pontos determinados para a Trilogia Sequel, seria muito difícil a Lucasfilm estar planejando conteúdo e recrutando cineastas como David Benioff e D.B. Weiss para uma série de filmes na próxima década sem ter pelo menos uma ideia do que eles querem com a trilogia. O que a Lucasfilm deixou para os cineastas decidirem foi o caminho que os personagens deveriam passar para chegar num final X. Como Rian teve o filme do meio, ele teria a maior liberdade criativa entre os diretores (e ainda é notável o fato de que ele usou o conceito original de George Lucas para Luke). Enquanto a história da Trilogia Sequel pode não ter tido o plot mapeado como Rian disse, a Lucasfilm com certeza sabe sobre o quê a história em geral deve ser.
Liberdade criativa guiada
Enquanto o termo “Grupo de História” pode fazer parecer que eles estão ditando a história, não é o que usualmente acontece. Em muitos casos, os autores e cineastas que são contratados para trabalhar nas obras de Star Wars têm a oportunidade de trazer suas próprias histórias e ideias. Enquanto isso, trabalham juntamente com o Grupo de História para ter certeza de que essas histórias cabem no universo Star Wars e no plano a longo prazo. [Pablo] Hidalgo disse que eles ouviram boas ideias de várias pessoas em que eles tiveram que pedir pra que elas “Voltem daqui a seis anos.” Isso é por que essas ideias ficariam melhor em algum personagem no futuro. – Fonte: SlashFilm
Então como esse plano funciona? Provavelmente a melhor descrição seria ‘liberdade criativa guiada’. O Grupo de História não tem tantos pontos da história quanto eles têm conceitos e temas que se conectam com outros conceitos no futuro. Enquanto eles devem ter as ideias básicas das histórias principais, as histórias que acontecem em volta são de responsabilidade dos respectivos escritores. A Lucasfilm já planejou o que eles querem dar ao público, e já escolheu quais conceitos e histórias são necessárias para alcançar as próximas histórias. Em outras palavras, “Volte daqui a seis anos” significa que a ideia cabe no plano geral, mas a base da história específica ainda não foi construída.
Assim podemos perceber como o Canon é construído. O Grupo de História decide sobre um conceito ou um tema que eles queiram explorar e quais histórias vão se cruzar naquele ponto. Algumas ligações iniciais, participações especiais ou referências são inseridas nas histórias mais apropriadas. Assim que a base está pronta, O Grupo de História trabalha com editoras e escritores para decidir qual vai ser a história principal desse conceito (preferencialmente quando este sintetiza e melhora múltiplos temas explorados pelo universo). Mesmo que o conceito seja bem polido e detalhado, ele é flexível o suficiente para que os escritores possam inventar qualquer história que quiserem em volta dele.
Em permitir que os criadores possam trazer suas próprias histórias dentro de uma premissa, a Lucasfilm evita ditar as histórias enquanto ainda tem um grande plano a seguir. Então, Rian Johnson pôde completar as lacunas deixadas intencionalmente pelo Grupo de História sem ir contra os objetivos principais da Trilogia Sequel que foram estabelecidos em O Despertar da Força.
“Então com o Grupo de História de olho em todo o conteúdo dos filmes e televisão em todo o lugar, não precisamos mudar coisas retroativamente. Nós podemos antecipar essas mudanças. Podemos plantar coisas em uma mídia [e ver elas crescerem] em outra. Então podemos estar plantando coisas no livros e na TV que você pode não perceber que são importantes até anos depois. E se as pessoas soubessem como esse mapa é, elas ficariam de queixo caído.” – Leland Chee
Então podemos também concluir que mesmo que J.J Abrams “mude” alguma coisa que pareça já estabelecida em Os Últimos Jedi para o Episódio IX, tenha a certeza de que isso é intencional e que a chave para entender esta mudança já deve estar no filme anterior.