Rey e Kylo: Identicamente opostos
Um dos temas mais proeminentes em Os Últimos Jedi é o contraste entre ter e não ter. Uma dicotomia presente não só em Canto Bight ou em organizações como a Primeira Ordem e a Resistência, mas também entre personagens.
Rey e Kylo Ren são emblemas dessa ideia. De fato, temos uma clara distinção entre um personagem que não tem nada mas ao mesmo tempo tem tudo e um personagem que tem tudo mas não tem nada.
“Kylo falhou com você. Eu não vou falhar.”
Este contraste é particularmente evidente no tema da traição. Seja pelo abandono ou pela falha de um mentor, as jornadas tanto da heroína quanto do vilão começam com um ato de traição de quem eles mais confiavam. Mesmo assim, enquanto Kylo paga com a mesma moeda — um traço do lado sombrio (medo) com outros (raiva, agressão) — A reação de Rey é diferente na seguinte cena:
Na sala do trono, ao acreditar na única resposta em que ela havia encontrado até aquele momento, e tendo essa história endorsada por Kylo, Rey tinha a chance de abandonar a Resistência assim como alegadamente seus pais tinham feito a ela. Mas mesmo com a dolorosa impressão de que seus anos de espera em Jakku não valeram de nada, Rey se recusa a fazer isso.
Ao sofrer uma traição pior que a de Ben e mesmo assim escolher ser uma pessoa melhor, Rey demonstra ter uma força que Kylo nunca poderia ter. Ela nos dá um dos momentos mais heroicos e inspiradores do filme, talvez na mesma veia de Luke em Crait.
“A sucateira.”
Kylo tem se mostrado simbolicamente como um sucateiro narrativo, e isso é mais claramente visto em como ele trata a história de Darth Vader. Kylo pega o que ele gosta (o visual) e joga fora o que não quer (a tragédia de Anakin). Iconografia acima da biografia.
O contraste com a protagonista é impressionante. Rey respeita os dois lados da mesma história: tanto o heroísmo quanto as falhas. E ela é a nova geração, geração intocada, livre para reinterpretar essas histórias de um jeito totalmente novo.
“Pensei que ele fosse um mito.”
Tanto a heroína quanto o vilão tiveram que lidar com seus mitos falhando com eles. No caso de Kylo, isso é demonstrado quando ele destrói seu capacete, talvez uma maneira de por um fim à sua tentativa de emular Vader. Apesar de seus muitos esforços, isso tem dado a ele mais sentimentos conflitantes e palavras duras de Snoke.
Mas Rey também perde a cabeça. Vemos sua raiva à mera implicação de que o que Kylo disse a ela sobre as ações de Luke poderiam ser verdade. De que o ícone infalível e figura paternal poderia ter falhado. De que lendas também são humanas. No entanto, o que ela retém disso é o respeito.
“Você subestima Skywalker.” Suas palavras para Snoke trazem a ideia de que, enquanto ela não mais idolatra Luke, ela continua a respeitar sua história. Muito diferente de Kylo: Rey ganhou uma visão mais madura e compreensiva de quem ela um dia havia considerado um mito.
“Nunca me senti tão sozinho.”
As reações de Kylo ao ser ridicularizado por Snoke e as de Rey ao ver que Luke aparentemente não era mais o mito que ela esperava, ambos estão em conflito emocional quando as pessoas não podem ser o que eles precisam que ela seja. No entanto, aqui vemos claramente que nossa heroína tem algo que o vilão não tem: maturidade emocional.
Kylo não pode ser o que Rey precisa que ele seja (alguém que queira se redimir, e que mude os rumos da guerra em favor da Resistência). Mas nesse momento ela já havia experimentado algo parecido, e aprendido lições com isso. Então, ao invés de ter raiva, ela aceita a decisão de Kylo e o caminho que ele escolheu, assim se tornando mais próxima da luz. Em sua última cena do “force skype”, sua expressão é mais de decepção do que ódio.
Mas o conflito emocional de Kylo continua, sem nenhuma mudança. E pior, ele se torna mais próximo do lado sombrio, balbuciando com violência: “Eu vou destruí-la. E você. E tudo isso” — e nutrindo seu ódio quando Rey fecha a porta na cara dele, literal e figurativamente.
“Eu dei tudo que eu tenho pra você. Para o Lado Sombrio.”
Inicialmente, tanto a heroína quanto o vilão tentam ganhar um senso de identidade a partir de alguém (Luke e Snoke, respectivamente), ideologia, ou título. Mesmo que isso seja verdade para nossa protagonista no começo, certamente não é assim no final. De fato, Os Últimos Jedi é a história de uma heroína e um vilão que constroem e perdem suas respectivas identidades pelas suas ações. Isso pode ser representado pelas seguintes frases:
- “Sou Rey.”
Em O Despertar da Força, quando ela se apresenta para Finn, ela ainda estava esperando que outros dessem a ela um senso de pertencimento e de identidade que por enquanto só vinha de seu título de sucateira. Quando ela se apresenta para Poe em Os Últimos Jedi, ela não precisa de nada além de si mesma para construir sua identidade, de suas ações e interações com as pessoas a sua volta. Ela está pronta pra conhecer seu sobrenome.
- “Você é um nada.”
De outro lado, Kylo não consegue deixar o passado morrer, simplesmente porque a base de tudo em que ele construiu seu conceito de identidade vem do passado. Mas ele demanda que Rey deixe tudo em sua vida. Ele quer que Rey esteja se fiando nele para construir sua identidade, pois como ele mesmo disse, ela “é um nada” e “vem de um nada”. Como ela já havia aprendido as lições que forjaram sua própria identidade sem precisar de interferências, ela recusa. Isso, combinado com o assassinato de Snoke e sua rejeição à ideia se ser um novo Vader, deixa Kylo sem nada em termos de identidade. Na verdade, o assassinato de Snoke foi sua estratégia para ter uma através do título de Líder Supremo.
- “Nós temos tudo o que precisamos.”
No fim do filme, Kylo Ren agora é o Líder Supremo de uma Primeira Ordem crescente. Mesmo assim, o filme deixa claro que é Rey que é quem está verdadeiramente crescendo, mesmo só com alguns livros velhos e uma nave com alguns poucos sobreviventes da Resistência.
Na última cena do “force skype”, Rey anda pela rampa da Falcon, se movendo adiante em todos os sentidos. Enquanto isso, Kylo está parado, fisica e emocionalmente, e não pode mais voltar às velhas histórias que o definiu. Para um personagem que se sentiu superior à Rey por ter um sobrenome, ele não tem mais nada. Nem sua própria história.