Os Haters e o Filme de Han Solo
Muito tem se debatido nos perfis sociais sobre os problemas que acercam o segundo spin-off nas mãos da nova Lucasfilm, o filme Solo – Uma História Star Wars.
Aos observadores de comunicação, chega a ser patético algumas discussões que vão desde a importância do filme até o nível de semelhança do ator. E para piorar, algumas situações infames que o péssimo jornalismo de formato tablóide criou para o próprio filme.
A ideia do texto é justamente analisar cada um dos fatos isoladamente.
O FILME É NECESSÁRIO?
Espectadores, que no desdobramento se torna consumidor, multiplicaram-se na questão em que se colocaram como clientes da Disney. Talvez por isso o fã pense que possa ter certo poder de escolha a ponto de reclamar com frases como: “Não era o filme que eu queria”. Bem, sabemos o quanto a Disney, por ser uma fábrica de sonhos, experimenta sem prévia consulta, como fez com alguns “brinquedos de parque” convertidos em cinema que renderam desde um sucesso como a franquia de Piratas do Caribe, de Gore Verbinski (um diretor de mercado e de encomendas), até fracassos como Tomorrowland (2015), de Brad Bird (um diretor competente oriundo das animações).
Um filme ser necessário ou não é uma questão relativa a se analisar, pois algo ficou muito claro até em questões financeiras: os filmes numerais são justamente os que recebem maior investimento. Bilhões que puxam novos bilhões rumo a uma nova fatia de fãs dessa geração. O que justifica um vilão amado e odiado como Kylo Ren, que é mais complexo, cheio de camadas de problematizações recentes que dialoga com esta geração e faz com que os fãs antigos tenham pouco a se identificar com o personagem ou com os novos filmes numerais.
É exatamente nessa complexidade que se fez necessário que uma empresa como a Lucasfilm tenha um público-alvo em seus produtos. E se filmes numerais têm se demonstrado incapazes de dialogar com uma fatia de fãs da velha guarda, a ideia de um spin-off vem suprir essa carência do fã antigo e o mantê-lo por perto.
Os burburinhos sempre vão ocorrer. Isso ficou bem claro desde quando anunciaram Rogue One com um trailer experimental de uma X-Wing decolando e a premissa de um filme de guerra apenas. Logo surgiram as primeiras reclamações do tipo: “Não tem jedi, então não vou ver”, e até a reutilizada frase do momento: “É um filme desnecessário”. Por coincidência, vazou pelos mesmos tablóides maldosos a informação de que 40% do filme tinha de ser refeito e não revelaram o motivo. Os que acompanhavam de perto a vida do diretor Gareth Edwards notaram que um motivo provável era o impacto de um filme que teria um clima bem pesado.
Lembro inclusive que em uma das reuniões com o Conselho Jedi São Paulo, eu e o comissário Igor Oliveira batemos um papo com os fãs. Explicamos a eles como eram gravações adicionais no mundo do cinema e como isso apenas faz o projeto atrasar.
Para alimentar um pouco o fã sedento por notícias, lembro-me que soltaram a informação bem tarde da pequena participação de Vader em Rogue One para que sossegassem um pouco. E mesmo assim, lembro de ler revoltas do tipo: “Onde vai encaixar Vader num filme desses que não tem Jedi?”. O resultado foi para lá de proveitoso e o filme teve boa recepção de crítica e público.Se o filme é necessário ou não, será uma resposta que todos terão assim que subirem os créditos do filme. Para os membros da Sociedade Jedi, um filme que retrate como Han conheceu Chewie, a corrida de Kessel e como Lando perde a Falcon para Han já são combustíveis para um filme inteiro. E claro, nunca sabemos como é participar de uma estreia em outros lugares, mas no eixo SP/RJ/MG as estreias são sempre uma forma de juntar toda tribo na mesma sala de cinema e que todos compartilhem da alegria. Pois o cinema vira um ponto de encontro. Ponto esse que, se antes poderiam promover reencontros a cada dois ou três anos, agora se torna anual.
O ATOR NÃO PARECE COM HAN SOLO/HARRISON FORD
Mais uma questão, ou entrave que deve ser debatida ou comentada. Quando Star Wars foi feito em 1977, Harrison Ford vinha de uma carreira de marceneiro e com poucos filmes que teve diálogos como personagem. Claro que sua carreira de ator começa fazendo pontas em filmes desde 1966, com bastantes participações em séries de TV. Foi somente em 1970, porém, com A Procura da Verdade, de Richard Rush, que Ford realizou seu primeiro papel de relevância. Três anos após esta obra, interpreta o genial Bob Falfa, em Loucuras de Verão (1973), do diretor George Lucas, o qual se iniciaria uma grande parceria. Seu personagem, uma espécie de vilão em filmes de corridas juvenis, professa uma das frases mais recordadas por grandes revistas de música: “O Rock n’ Roll morreu com Buddy Holly”.
Ironicamente, Loucuras de Verão tem no elenco Ron Howard – nada mais, nada menos que o próprio diretor de Solo, que chegou para substituir os ex-diretores Phil Lord e Christopher Miller. Algo que para os admiradores de cinema, foi mais ponto positivo do que negativo para que o longa ganhasse credibilidade.
Harrison Ford e Han Solo acabam formando quase uma simbiose quando notamos melhor a atuação e a personificação ao lembrarmos que George Lucas tem em sua veia de cineasta uma fraqueza na direção de atores. Muitas vezes não saberíamos como separar onde termina o ator e começa o personagem.
Essa dificuldade em detectar ator e personagem pode ser um caminho complicado e um belo desafio para o jovem ator Alden Ehrenreich. Isso porque fatalmente alguns fãs de Star Wars têm comentado que além de não parecer, o jornalismo americano da pior espécie, os tablóides, soltou em seus periódicos uma reclamação do ator quanto à troca da equipe técnica. De acordo com esses jornais, ao substituir todo o time de casting, por consequência a turma da direção de elenco também é trocada – tudo isso junto à carga de um cronograma que se tornou apertado. Este tipo de problema é algo muito comum em Hollywood atualmente. Os filmes têm sido refeitos no meio do caminho, o que compromete, às vezes, um calendário de contratos. No entanto, em hipótese alguma isso comprometeria o teor do filme.
O péssimo jornalismo soltou em outra matéria, afirmando que a Disney não confiava no filme sob a alegação de fracasso – um boato que tentou manchar o longa, causando pressão em toda a equipe. Todavia, vale lembrar que a Lucasfilm e a Disney jamais apostaria num fracasso e trocaria diretores novatos por um mais antigo e de respaldo comercial depois de três sucessos de bilheteria como foi com toda a série Código Da Vinci, do nomeado ao Oscar Frost/Nixon (talvez seu melhor filme em toda carreira) e Rush: No Limite da Emoção.
Pensando com uma mentalidade de cinema, um dos caminhos ideais para o jovem ator é esquecer um pouco toda a construção (ou não) de Harrison Ford ao personagem e criar a sua maneira de vivenciar Han Solo. Embora o caminho pareça difícil em fugir das comparações, há saídas interessantes sim. Um dos exemplos é imaginar que todo aquele jeito cafajeste tenha sido lapidado em sua vida de contrabandista. E que antes de se tornar o salafrário que a princesa amava, Han fosse um personagem comedido que talvez tenha aprendido seu caminho sujo com o personagem Tobias Beckett, interpretado pelo efusivo Woody Harrelson, o qual esbanja este lado cafajeste que muitos esperam ver logo de cara no jovem Solo.
Se para alguns o que importa é apenas aparência, aqui pesquisamos um pouco sobre a carreira do ator e vimos que carga para segurar um papel desse não deve ser um desafio. Alden tem em seu currículo filmes que esteve a mando de excelentes diretores, como Francis Ford Coppola (Tetro, 2009 e Virgínia, 2011), o coreano Chan Wook Park, que dirigiu Oldboy, no filme Segredos de Sangue (2013), Woody Allen (Blue Jasmine, 2013), Irmãos Coen (Ave Cesar, 2016), e recentemente atestamos uma excelente atuação para o diretor e ator Warren Beatty em As Regras Não Se Aplicam (2016).
O LOW BUDGET
Quando a Disney comprou os direitos de Star Wars, ela estava com a galinha dos ovos de diamante, porque ouro ainda é pouco para esta façanha. George Lucas sempre disse várias coisas que estão ocorrendo: desde que a Disney era a melhor empresa para cuidar da franquia até o fato de que se um dia Star Wars tivesse uma série em live-action, a HBO era a única que poderia produzir com honestidade técnica. E sua sucessora Kathleen Kennedy parece ter aprendido a lição de como manter uma marca como Star Wars na boca do povo, ou melhor ainda, tornar o folclore mundial.
Lembram quando a Fox detinha os direitos cinematográficos de X-Men e mutantes adjacentes e do Quarteto Fantástico? Lembram inclusive que no contrato a empresa não poderia deixar um tempo sem fazer filmes e em meio a isso surgiu uma pérola da vergonha chamada Quarteto Fantástico (2015), dirigido por Josh Trank? Então, o filme pode não ser aquelas coisas (gosto do longa no que tange a ideia de uma ficção científica, mas descumpre com louvor sua relevância com o universo de HQ, ainda que eu não seja fã da fidelidade de HQ/Cinema). Entretanto, como era um filme com muito menos orçamento que os outros, era uma forma de manter o poder sobre esses direitos e um experimento com um diretor que havia brilhado com um filme de baixo orçamento chamado Poder Sem Limites (2012) e que, infelizmente, caiu num péssimo destino. Muito desse fracasso vinha de uma equipe que tinha pouca imersão no universo pop de HQ, onde sentimos facilmente esta diferença em filmes de Marvel Studios. Por sorte, Ryan Reynolds evitou caminho semelhante com Deadpool ao se tornar um dos investidores, o que permitiu ser o acerto de conivência do universo Marvel pelas mãos da Fox – problema este que acabou na compra da Fox entretenimento no final do ano passado.
Solo, em contrapartida, tem a sorte de não estar nas mãos de uma produção executiva relapsa, pois ainda estamos falando da mão de ferro da Lucasfilm. Kath Kenedy já demonstrou acompanhar de perto cada projeto de Star Wars e dá vida longa para a franquia.
Óbvio que várias viúvas da trilogia original têm jogado suas lamúrias nos perfis sociais, acusando que “a Disney estragou Star Wars”. Ainda que neguem para si mesmos que Star Wars continua abaixo da tutela desta visionária produtora, que segue uma linha nova e inclusiva de mercado que ampliou o fandom para o público feminino. A mesma que tem conseguido pôr uma ordem de fortes ligações no Universo Expandido e tem feito bons trabalhos com essas várias gerações que são alvos dessas produções. Agora, a tendência é aumentar o público com as mais recentes notícias de produções realizadas pelos competentes David Benioff e D.B. Weiss. E até as promessas do CEO e presidente da Disney, Bob Iger, em que não apenas a nova trilogia de Rian Johnson como também novos filmes pelos criadores de Game of Thrones e prováveis séries e animações estão a caminho também.
Aos que mesmo com toda essa continuidade ainda preferem sentir que “seu objeto de desejo estragou”, pode experimentar esses materiais em livros e quadrinhos que mantém um saudosismo nas obras. Ou, em último caso, podem largar o osso, deixar de acompanhar a saga se esta já não dialoga mais com estes caminhos. Como somos uma página de Star Wars, aqui o pensamento que predomina é que “quanto mais Star Wars, melhor” e há amigos da page que deixa de seguir com mais afinco os produtos novos e manterão sua paixão platônica pelas obras do passado.
Mas uma coisa é fato: todas as obras de Star Wars têm aberto mão de muita coisa, menos de se tornar uma saga que acompanha seu tempo, seu povo e seus efeitos na sociedade, tal qual é o papel da cultura.
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Prof.º Ms Vebis Jr
Mestre em Cinema
Especialista em Comunicação
Graduado em Audiovisual e Multimídia
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Revisão: Alexandre Agassi
Estudante de Jornalismo