Artigo | O som no cinema, a paisagem sonora
A história do Cinema tem seu início no ano de 1895, através das mãos dos irmãos Lumiere, que por diversas vezes, experimentavam a união das películas e tentavam criar uma máquina de fotos contínua, e ao conseguirem gravar partes da vida do cotidiano, se tornaram os inventores e pais do cinema documental.
Pouco depois,chegou o circense George Meliès que reutilizou sua bagagem do teatro, do circo, do contador de histórias e tornou-se pai do cinema narrativo. Inclusive é fácil ter uma boa imersão nessa história pela ficção que Martin Scorsese, A Invenção de Hugo Cabret (2011) nos presenteou com uma história linda de amor ao cinema. Típico de Scorsese.
O cinema manteve-se mudo e se tornou sonoro apenas em 1929 com o filme “O Cantor de Jazz”, sonoro no que se diz respeito à bandagem de áudio presente na película. O “Cinema Mudo” nem era totalmente mudo assim. Ele sempre contava com a presença de uma orquestra que tocava enquanto assistiam a projeção, ou dubladores atrás da tela e até mesmo um locutor que narrava fatos e cartela de textos.
Porém, o objetivo sempre foi a sincronização mecânica. Pra nós chegarmos à uma sala de cinema e nos teletransportarmos por cerca de 2 horas num mundo novo, é algo que passa despercebido, mas a imersão sempre foi o objetivo do cinema. Por isso que no auge da pirataria, os cinemas apelaram para métodos e técnicas de “atração” como foi o 3D e agora o 4D.
Mas antes disso, para simplesmente juntar a imagem com o som, foram feitas a princípio com o cinematógrafo falante que unia um projetor fonógrafo do de Thomas Edson (este mesmo) e o gramofone do alemão Emil Berliner. O Vitafone unia a projeção e a audição em disco ao mesmo tempo e isso garantia sincronismo de músicas, ruídos e outras formas narrativas de som, mas de uma maneira não confiável. Apenas com o Movietone, um processo de leitura ótica da pista de áudio na própria película que tornou a sincronização confiável e funcional.
A trilha sonora, ou banda sonora em geral é composta por vozes, ruídos e música, e tudo é audível no filme, inclusive se o filme necessita de silêncio, este silêncio é gravado ou criado. Criar um universo de áudio é parte do plano cinematográfico de que o espectador possa selar um contrato de crença naquele mundo que acontece dentro da janela de identificação, pois não à toa a tela de cinema muitas vezes é comparada à uma janela.
A voz desde o cinema sonoro é o principal elemento, pois dela surge a narração do filme, onde o contador de histórias se manifesta.
“O diálogo constitui o principal veículo da ação narrativa e deve estar tão personalizado como o rosto, o corpo e o espaço” (BORDWELL, David, STAIGER, Janet, THOMPSON, Kristin. El cine clásico de Hollywood. Barcelona: Paidós, 1997a. p. 331- 356. In: SOUZA, 2010.)
Portanto, se a maioria do cinema preza pelo formato clássico, onde os personagens elevam sua voz que provem do teatro, agregando à voz uma função dramática, psicológica, afetiva e informativa que depois de captada, passa por severos trabalhos de pós produção, pré-mixagem de diálogo que equaliza a voz, ruídos e música.
A parte de ruídos é uma das mais interessantes no universo de cinema. Mas pra isso, é necessário entender uma palavra técnica do cinema. A diegése.
Em miúdos, a palavra pode significar “um mundo criado”. George Lucas criou um mundo futurístico com traços de velho oeste. Isso é diegese.
Sabe aquela crítica besta que os lógicos usam pro cinema onde falam que não existe explosão no espaço? Então, a resposta à estes implicantes é: a diegese permite toda a impossibilidade ou verossimilhança e cinema é isso aí.
Temos na diegese, uma paisagem sonora que foi planejada antes do filme ser feito e estes sons são essenciais. Os sound FX como grilos noturnos, cães latindo numa rua, carros, explosões, tiros, elementos que ajudam a dar credibilidade nos atos cometidos pelos personagens. É mais um elemento a nos ajudar a acreditar no lado de lá.
Por último temos o foley,(que no Brasil é chamado de uma maneira reducionista de “sonoplastia”) nome dado ao processo de recriação dos sons especiais decorrente ao seu inventor ( Jack Foley 1891-1967) e por este processo, muitos sons que não existem, fazem sentido ao cinema atual como socos numa cena de ação, ou simples talheres numa noite de jantar.
Pra nós, fãs de Star Wars o operador de foley é um dos maiores inventores desse mundo que amamos e hoje nos alcança em jogos de vídeo game. Ben Burtt, que num passado perdurou o legado do foley tem hoje no jovem Mathew Wood a responsabilidade de tornar crível sons de fábricas, armas, aliens e mundos desbravados na saga e hoje de uma forma melhor, pois os recursos antigos eram caros e com a chegada de equipamentos digitais, a forma de armazenamento e reutilização é quase instantânea.
Ruídos tem uma gama tão grande de significados que só puderam ser compreendidos na medida em que as salas de cinema melhoraram suas técnicas de reprodução. Certificados foram criados como patamar de qualidade, onde algumas salas de cinema precisaram se adequar como a tecnologia THX de som (criada por Tomlinson Holamn Experiment e certificado por George Lucas, o que faz muita gente achar que seja referência ao seu primeiro filme THX 1138 dai a piada interna) e desde que a tecnologia foi criada para melhor apreciação da trilha sonora de Williams em “O Retorno de Jedi”, ela só se tornou viável com a volta da saga na trilogia prequel.
Portanto Prequel Haters, engulam mais essa revolução digital que Lucas criou e ditou regras ao mercado exibidor e você ainda aí reclamando que o filme todo é ruim por causa de Jar Jar Binks.
Voltando ao assunto que interessa, outro elemento que tem valor sintático pro cinema é o silêncio. Muitas vezes utilizado como elemento separador entre dois eventos sonoros, indica que um valor naturalista será utilizado, pois se acentua o momento de forma que nos prendemos ao que ocorre com sensação de estranhamento e um efeito emocional para o que está por vir. A nós, recentemente fomos provados com essa experiência no momento que Han Solo se encontra face a face com Kylo Ren.
A última parte a se lembrar quando pensamos em SOM DE CINEMA, é justamente onde eu mais queria chegar: a trilha sonora.
A trilha sonora é um dos elementos dramáticos mais importantes para a narrativa de um filme, basta ver que já existem inúmeros tratamentos a base de música além de que o universo musical é vasto, diversificado, complexo e milenar.
A música sempre exprimiu uma participação na emoção decorrente aos códigos culturais da tristeza, alegria, emoção e do movimento. Por isso crescemos nomeando trilhas sonoras pros momentos de nossa vida. E se a música tem estudos e pesquisas evolutivas desse efeito, o cinema acompanha e se atualiza de como trilhar gêneros e fixar conexões entre elementos sonoros e visuais que nos leva a associar a música à outras formas de arte.
O cinema e a música tem laços fortes. Me lembro de um dos programas informativos da TV Cultura onde chamaram o Maestro Julio Medaglia para contar como a trilha sonora narrava filmes. Naquele programa, o maestro tocou trechos importantes de momentos célebres de filmes que contavam com trilha de John Williams, Nino Rota e Enio Morricone.
Impossível não se lembrar do suspense de Tubarão onde a trilha parecia se mexer como um tubarão à espreita de uma vítima ou se sentir eufórico quando se ouvia a trilha de ET lembrando das bicicletas voando.
Essa magia de cinema que tanto falamos é composta por vários elementos, e a música é uma delas e por isso merecia um texto que reverenciasse não apenas Williams no seu aniversário, mas todo departamento que pouco se lembram e que muito se responsabiliza em um dos atos mais nobres que o cinema nos oferece: a imersão e ao mesmo tempo uma cumplicidade.
Vebis Jr é produtor, diretor e mestre em cinema.
Lecionou em escolas como Academia Internacional de Cinema, Etec Roberto Marinho e Unimonte
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Texto revisado por Nannarhara Bessa Lobo